M E M Ó R I A S
De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman
LEIA TAMBÉM EM “CRONICAS HISTÓRICAS” NESTE MESMO BLOG O ARTIGO “MEU PAI CARLOS ANDERMANN”
O TEOFILO COMO MENSAGEIRO
Isto aconteceu no dia 29 de junho, num domingo de manhã. Nós tivemos um culto muito demorado. Ainda estávamos orando a última prece quando o meu irmão Teófilo levantou-se e começou a olhar firme em volta. Até parecia que ele tivesse recebido notícias novas, edificantes. Ele sorria e ao terminar ele nos explicou que recebeu a incumbência de visitar a Igreja Batista para transmitir um recado. Todos ficaram admirados, os crentes se entreolharam e a minha mãe permitiu que ele fosse.
Rapidamente apanhou o chapéu e foi em frente, fechando a porta atrás de si. Depois Jacob Klava me contou o que havia acontecido: “Eu havia terminado o culto quando entrou o Teófilo que se sentou”. Terminado o último hino o nosso visitante se colocou em pé e indo lentamente para o lado da mesa disse:
“Hoje eu tenho de dirigir-lhes a palavra”.
Respondi: “fale”. Ele se aproximou da mesa apanhou a Bíblia eu folheava a procura de um texto. Finalmente se ateve no Apocalipse de S. João, leu alguns versículos e começou a exortar nós para que deixássemos os pecados. Eu respondi que isto nós já havíamos realizado. Depois ele falou sobre a próxima vinda de Cristo e nos lembrou de para que alvejássemos as nossas vestes e nos preparássemos para este acontecimento que seria em breve e que nós não teríamos acesso ao céu se não nos humilharmos perante Deus. Terminada a fala ele foi embora”.
MÊS DE AGOSTO
Todos os Letões, com exceção dos Pentecostais continuamos as nossas horas “de música e canto”. Também neste mês J. F. Frischenbruder nos começou a ministrar aulas noturnas pelas quais pagávamos 2$000 (dois mil reis) por mês.
O Silvestre trocou uma colônia de 25 hectares, por dois e meio da nossa terra, próximos a sua venda. Ampliei a cerca, aumentei a extensão do pasto, e abri uma grande vala para drenagem através da nossa colônia. Em 21 de agosto o meu pai tirou os meus irmãos da escola. Este passo me magoou sobremaneira.
A família de João Sudmalis mudou-se para morar em Mãe Luzia em 7 de agosto. Nós todos os patrícios fomos recebê-los na estação de Criciúma.
MÊS DE SETEMBRO
Os meus tios Karklis por parte da minha mãe, conforme notícias estão se desentendendo. Consta que a minha tia ficou tão nervosa que muitas vezes sofre de câimbras. Recebemos uma carta dele na qual diz que seria muito bom, se por uns tempos, ela pudesse viver em Mãe Luzia, por que a sua saúde estava abalada. Ela viria em companhia de Ernesto; mas em troca mandássemos a Lídia ou Mely para substituí-la na cozinha. Ficamos de acordo.
O tio Rodolfo resolveu viajar para a Linha Telegráfica, para visitar os pentecostalistas e assim conseguir alguma santidade; por que, depois que Strauss foi embora, nossa situação voltou a ser anterior. Como companheira de viagem ele escolheu a minha tia Lídia, que aceitou o convite com alegria.
Juntos tomamos o trem em Palmeiras; Rodolfo e Lídia com destino para Blumenau: eu e Melly para Rio Novo, onde ela ficou de cozinheira e eu Ernesto voltamos para Mãe Luzia.
MÊS DE OUTUBRO
Outra vez chegaram nuvens de gafanhotos que destruíram os nossos pastos e ficaram pulando em procura de um lugar para desova.
Eu e o primo Ernesto trabalhávamos com todo vigor limpando a terra na nossa nova Colônia. Neste mês também faleceu o filho do meu tio João Andermann que apenas teve alguns meses de vida.
O funeral foi dirigido pelo meu avô Ans, numa reunião muito solene; o meu pai e a minha mãe também falaram.
Uma tempestade destelhou a nossa casa.
O meu tio Rodolfo e a Lídia já retornaram de Linha Telegráfica e junto vieram 6 espiritualistas; a Ida, Zelma, o velho Strauss, o Alexandre com sua esposa e um irmão deles. Eles chegaram muito tarde de noite, pois haviam caminhado a pé de estação até em casa; voltaram enlameados, mas felizes por que finalmente chegaram a casa. Os Pentecostalistas já haviam terminado a reunião e este encontro também me deu alegria. A tia Lídia e o Rodolfo contaram coisas boas sobre esta viagem. O Rodolfo recebera o batismo do Espírito Santo e o dom de falar línguas. Também a tia Lídia acompanhou a dança, bateu palmas e também foi contemplada com o dom das línguas, mas em grau menor.
AS REUNIÕES
Agora não se trabalhava mais. Os cultos eram realizados diariamente com as tais manifestações que trouxeram os espiritualistas da Linha Telegráfica. Os nossos Pentecostalistas agora começaram com toda a seriedade, suplicar a Deus e clamar dele o dom destas manifestações extrovertidas.
A primeira reunião aconteceu no dia 15, sábado das 9 as 12. Eu anotei o seguinte: Não tive nenhuma intenção de encontrá-los. Deixei o culto depois das orações. “A profetiza então comandou: “em fila, em fila” então todos formaram um círculo, de cócoras batiam palmas de toda maneira cantavam louvores com ‘tra-la-la-la” em compasso. Passou me um frio pela espinha; por que o que eu presenciava pareceu uma desgraça. As preces, as orações foram sinceras, as línguas faladas eram espetaculares; mas aquela dança, aqueles pulos de louvar eram uma verdadeira loucura.
DIA 16 DE JULHO À TARDE
O culto foi iniciado cantando hinos, mas escolhidos principalmente aqueles que falam do amor de Jesus. Então tiveram início as preces, eles oravam a toda voz; principalmente as mulheres gritando histericamente. Em uma certa ocasião eu lhes disse que Jesus prometeu estar no meio daqueles dois ou três que se reunissem em seu nome; então não era necessário eles gritarem tanto; por que Jesus também ouve as orações silenciosas desde que feitas de “todo o coração”; ao que responderam: “sim, de todo o coração” e eu retruquei: “mas não de toda garganta”.
A Ida entrou para o centro do círculo para confessar os seus pecados; “durante a viagem algum marinheiro havia caçoado dela e ela lhe desejara o mal; em Florianópolis visitaram a Catedral – esta fora uma tentação visual; que ela era bastante forte para carregar a própria maleta, mas dera para o Rodolfo fazê. Depois penitente ela rastejou de membro em membro, osculando as mulheres e cumprimentava apertando e sacudindo a mão de todos; dizendo para cada um alguma palavra de animação ou conforto, como por exemplo: “permaneça sob a Cruz de Cristo” “louve com voz alta e em língua estranha”. Para alguns ela balbuciava sons estranhos, que respondiam da mesma maneira; então de novo a todos saudava: “siberai, samarai, Jeus simeri”. Continuando falar a língua estranha, ela mesmo traduzia o seguinte: “O diabo perseguirá o povo de Deus, zombará dele enganando-vos em nome de Jesus; isto tudo fará a poderosa força enganadora do diabo. Apenas os filhos de Deus serão os escolhidos; separados daqueles que são orgulhosos e não confessam os seus pecados. Muitos enganadores vão se fingir de anjos, mas Cristo vai vencê-los. Cada dia serão mais enganadores a ponto de serem difíceis de se distinguir. O anti-Cristo está para chegar e aqueles que não tiverem o Espírito de Deus não escaparão do castigo. Não tendo consciência do pecado eles não se confessarão e eles gemerão: “há, há, há” etc. Todos então pensarão que eles tem o Espírito de Deus, mas na realidade, enganados estarão se entregando ao diabo. Aqueles que não forem arrebatados sofrerão três vezes mais; serão desmembrados, fervidos em água e não terão para aonde fugir. Então vamos clamar para o Senhor enquanto temos fôlego – hoje! Hoje! Separai-vos do mundo.
A ordem divina é: “separai-vos do mundo! Não falais com ninguém que seja do lado contrário e não pensa como nós; nem mesmo com aquele que contestou com apenas uma palavra”. (Toda a assembleia clama “guado” e chora) “Louvai a Cristo” é a ordem de Ida e agora todos ficam de pé e dançam num bailado louco.
O culto depois do meio dia transcorreu sossegado por que chegou muita gente estranha para ver, mas que não pode entrar.
O culto da noite foi muito bem assistido por que vieram os Adventistas e os Batistas para ver este estranho procedimento. O velho Stekert pediu permissão para entrar. Então consideraram que muitos dos visitantes ainda não tiveram oportunidade de se definirem e o meu avô permitiu a sua entrada.
Todos entraram e sentaram nos bancos colocados ao longo das paredes. No meio da sala estava uma mesinha redonda sobre o qual ardia o lume de uma lâmpada de querosene, iluminando vagamente a sala ampla. Em torno da mesa se postaram os correligionários, abriram o hinário e cantaram. Muitos visitantes cantaram juntos, mas a maioria não participou por que a luz fraca não deixava ver o verso. Quando acabamos de cantar o primeiro entoaram ainda o segundo no que todos acompanharam com devoção; mas no fim do terceiro hino deu a louca na Ida. Ela gritava: “vai, vai, vai” e numa voz desnaturada urrava; gesticulava com as mãos pelo ar e com os pés, distribuindo coices e pontapés, agrediu os visitantes. Todos ficaram estarrecidos, todos foram tolhidos pela dúvida, medo e pavor. Ela estava possessa o seu rosto ficou roxo; ninguém havia esperado por um desfecho desta brutalidade. Foram tolhidos de surpresa e ficaram inertes; até os espiritualistas estavam surpresos. E neste estado de ânimo a Ida começou a gritar: “fora, fora, fora, etc”.
Então todos se levantaram ao mesmo tempo e correram na direção da porta atropelando-se, enquanto a Ida ainda amedrontava os retardatários gesticulando, agressivamente.
A Lídia Tereza, João Karklis, eu fugimos para um quarto; enquanto os outros lutavam para fugir pela estreita porta por que a Ida tentava pegar os intrusos pela garganta. No quarto, tremendo de medo e chorávamos de despeito e de vergonha. A Ida várias vezes quis derrubar a porta, mas nós a seguramos. Esta noite foi a mais tenebrosa que já passei na minha vida até hoje. Cumpre ainda explicar que a palavra “louvar” – queria dizer que os crentes em pé deviam pular sobre o assoalho, bater palmas com o barulho mais intenso possível.
A MINHA VIDA COTIDIANA
Esta foi a primeira e desesperada dor que eu senti na minha vida. A minha tia e o Ernesto voltaram para Rio Novo por que não queriam aderir ao movimento. A Mely que lá estava de cozinheira, regressou a convite da tia Lídia e aderiu ao movimento com toda a força do seu coração. Tudo isto me causava muita mágoa e descontentamento quando percebi que todos os meus aderiram a este movimento avassalador. Isto me deixava muito triste quando eu percebia que eles lutavam com todas as sua forças para alcançar um estado de graça imaginário.
Os ovos de gafanhotos já estavam abrindo depois de chocadas e os filhotes saltitavam pelas nossas lavouras e plantações que eu havia cultivado com tanta dificuldade. Durante a noite eu acendia fogueiras cuja luz os atraia e as chamas queimavam; como também cerquei as lavouras de velas para impedir o seu progresso. Tudo isto eu fazia sozinho por que toda a minha família passava o dia em reuniões de oração e de louvor, cuja alegria era demonstrada num bailado exótico e bárbaro batendo os pés no chão e batendo palmas. Mas fiz este sacrifício com toda a paciência.
Eu vivia aborrecido e magoado, sem qualquer esperança no futuro desejava ter morrido já há muito tempo.
A única atividade espiritual que ainda me interessava era a nossa “hora musical” e outras reuniões realizadas com frequentadores selecionados. Nós tivemos várias reuniões, deste tipo, com a finalidade de angariar recursos para os Letões necessitados destroçados pela guerra e conseguimos coletar 600$000 (seiscentos mil reis).
O MÊS DE DEZEMBRO
Os Pentecostalistas continuaram a ter as suas reuniões na mesma rotina. A tia Paulina, minha irmã Mely Zelma, Elza e o Teófilo receberam os dons das línguas e os restantes, que ainda não tinham recebido o batismo do Espírito, lutavam com todas as forças para consegui-lo. Estas reuniões se tornaram uma verdadeira loucura. Nelas todos gritavam, urravam e clamavam em vozes desesperadas.
Não consigo esquecer-se de um culto noturno no qual a minha mãe chegou a desmaiar de exaustão. Continuavam as reuniões naquela ampla sala da casa do meu avô. Entre aqueles que lutavam com todas as forças para conseguir aquele batismo também estava a minha mãe. Quando entravam em estado de transe e então começavam a dançar, eles empurravam a minha mãe para o centro do círculo e a Ida repetia com insistência: “tenha fé, não perca a coragem”. Quando a minha mãe ficou totalmente tonta, então se aproximava a Zelma Straus, segurava as mãos de minha mãe e ai ficou rodopiando; no entanto mamãe não resistiu por muito tempo, começou a cambalear e a outra não teve forças para ampará-la. Então ambas caíram no chão, mas ainda no solo ela rolava e tremia.
Nesta ocasião eu não participei e observei o espetáculo pela janela e eu senti ódio contra a atuação destes profetas miseráveis. Fiquei tomado de ira e senti um grande desejo de vingança. Minha vontade era pular a janela e dar um a surra na Ida, mas o João Klava me dissuadiu.
FUI CONVENCIDO
Muitas vezes eu discutia com eles sobre um ou outro assunto que percebi em desacordo com a verdade bíblica. Mas eles se defendiam e me deram para ler uns caderninhos onde, com todo o cuidado, foram selecionados estes versículos:
Mateus 11:25; I Coríntios 1:28; Ev. São João 15:18; Isaías 66:2
Sobre humildade
Ezequiel 43:3; Josué 5:14; Daniel 10:9 e 8:18; Apocalipse 1:17
Sobre clamor
Hebreus 5:7; Gênesis 41:55; Êxodo 2:23 e 22:23; Ezequiel 58:9
I Samuel 15:11; II Samuel 22:7; Mateus 21;9; Habacuque 1:2
Salmos 39:13 – 40:2 e 145:19
Espírito Santo
Atos 2:16-21; I Corintios 2:13; Salmos 50:8; Evangelho João 4:14; Lucas 12:12; Joel 2:23
Sobre a o oração
Atos 3:8 e 5:41; Isaias 35:6 e 32:4; Lucas 6:23; I Pedro 4:13
Juízo Final
Romanos 2:5; Mateus 14:12; Evangelho 15:18
A sabedoria do arrependimento
Provérbios 1:7,29,20; 2:6; 3:35; 28:26; Jeremias 9:23.
Mas não era apenas pela leitura destes versículos que eu fiquei convencido. Cheguei a um relacionamento melhor com o Alexandre Silmanis, cuja natureza tranqüila eu admirava. Com empenho e perseverança eu consegui aniquilar parte dos pequenos gafanhotos e continuei trabalhando animado o campo. Nos momentos de lazer, entre uma reunião de oração e outra, o Alexandre e mais outras vieram me ajudar. Então em mutirão nós capinávamos as ervas daninhas e falávamos sobre assuntos espirituais. Esta troca de ideias me pareceu tão aprazível e tão querida. Cheguei a conclusão que ainda me faltava muita espiritualidade plena e observando a minha vida “morna” me sentia envergonhado.
Comecei a pesquisar as Escrituras e a minha oração a Deus soava: “Senhor, quero estar mais perto de ti”. É verdade que nas convicções destes irmãos encontrei muitos desvios; mas, os considerei em nível superior dos membros da Igreja Batista.
Também me entristecia aquela posição demonstrada pelos meus companheiros contra esta gente desorientada e a minha mente estava tão cheia de dúvidas e tristezas que, numa tarde, depois do culto eu me ajoelhei e extravasei toda a minha dor. Aquelas eram as labaredas da purificação que inundaram o meu coração. Era remorso, dor e arrependimento por causa dos meus pecados e também eram uma nova perspectiva do novo rumo no caminho da fé. Então me agarrei com mais força em Jesus Cristo. Mas ao mesmo tempo eu me encontrava no meio destes fanáticos e agora fui obrigada cumprir todas aquelas cerimônias. Esperando que tudo se acomodasse no futuro assisti tudo com paciência, mas vendo alguns erros, não consegui me manter calado. Eu apontei uma e outra profecia que não tinha se realizado e esta ousadia não agradou aquela gente, no entanto eu aderi ao grupo, mesmo contrariado, por falta de outra opção, embora sentisse algum remorso no coração.
AINDA REFERENTE AO MÊS DE OUTUBRO
Encontrei algumas anotações que agora transcrevo.
Uma semana antes do regresso do tio Rodolfo e aqueles espiritualistas que o acompanharam, através da intuição espiritual eles foram mandados para alguns locais. O primeiro foi uma visita ao tio Sigismundo em Tubarão. No encontro com ele o Alexandre, entre muitos outros sons incompreensíveis balbuciados, em leto, disse o seguinte: (creio que foi a tradução daquela língua estranha):
“Que na França o anticristo está perseguindo os cristãos. No Brasil ele mandaria os
crentes para as ilhas desertas do oceano onde os fritara na frigideira de Sodoma e Gomorra,
mas destes fiéis apenas três serão arrebatados (salvos)”.
Depois houve a manifestação da Ida, da qual contarei apenas a tradução em Letão:
“Zarau A O; Zarau A O; Zarau está a postos para aproximar de Cristo. Zarau está condizendo em fila de três em três. Lançai vós todos nas águas cristalinas do batismo de imersão três vezes repetido; para aliviados, com o coração purificado correrem em direção de Cristo. Três mostrarão amor; três terão as vestes alvejadas pelo Sangue do Cordeiro. O tempo está se esgotando pregai a verdade para aqueles que têm sede, mas ignorai aqueles que esperam na beira do caminho; por que para aqueles que são orgulhosos não há salvação” “Ainda existem aqueles que sentem tristeza, mas o fim está próximo. Cristo vai abrir aqueles Livros, Cristo lerá o livro, Cristo chamará pelo nome. O Zarau virá receber aqueles que Cristo mandar. Quem virá buscar é o Zarau por que Cristo permanecerá nas nuvens. Entra no círculo, apressa-te para entrar no círculo que já está se afastando”.
Fala de Rodolfo para o irmão Ziguismundo: (uma mistura de sons de língua estranha entremeada palavras letas que ora traduzo).
“Sera soltar outro. Vai hoje; vai hoje Tubaron. Será to, to, sera. Fala Ziguis. Prepara-te Ziguis; ziguis digo casa, depressa, depressa. A Marta (outra irmã morando em Curitiba) virá. Volte a cavalo, depressa, rápido :: livros :: ache, ache livros fora”. No mesmo dia eles retornaram.
Então desta fala de Rodolfo, Sigismundo chegou a conclusão que o tio Rodolfo estava convidando ele pra voltar a Mãe Luzia e a outra irmã Marta também aderiria ao movimento. No entanto eles nada conseguiram por que o tio Ziguismundo estava com o seu juízo perfeito.
Mas estas falas impressionaram o meu pai erradamente e ele começou a queimar os livros da sua vasta biblioteca pastoral. Consegui salva uma parte encaixotando e levando para a casa João Arajs e também o harmônio foi salvo das chamas.
ESTE CULTO DEMORADO
Este reunião se prolongou por muito tempo e eu tenho interesse de descrevê-la para que fique guardada alguma coisa para o futuro e os leitores prevenidos não passem por uma experiência igual a esta.
Todos começaram a apelar a Deus em oração, sem qualquer ordem, urrando, gemendo, gritando e ganindo. A Ida como desvairada grita com toda a força da sua garganta e em tom de exigência apela: “Venha Jesus, venha nos ajudar”. Após alguns momentos a Ida iniciou a sua fala em voz grave e gutural em línguas estranhas; depois clama: ”Alexandre você tem de vir para o centro”. Então todos os demais começam a orar por ele até que ele também inicia a sua fala estranha. No meio deste conjunto de sílabas incompreensíveis apenas anoto as que consigo assemelhar: “Leia já, leia logo. Orosanga. De Tubarão chame o irmão depressa”.
Novamente a Ida está falando algo em voz baixa e logo depois exclama irada: “Os crentes estão sem entusiasmo, não, não, não, isto não pode ser assim, isto não dará resultado, assim não vamos alcançar o objetivo”.
Então todos os crentes clamam a Deus pelo avivamento. A Ida ora: “Senhor fala, fale para nós de modo que possamos entender as suas ordens”.
Ida chama o Rodolfo para o centro, todos os presentes apertam o círculo para bem próximo onde ele está para colocar a mão direita sobre os seus ombros e o braço esquerdo levantado para o céu; todos clamando com toda a força: “Jesus, abençoe-nos e oriente os nossos passos”.
Rodolfo começa a balbuciar enquanto lhe tremia o corpo todo a ponto de inspirar medo:
“Amanhã Sig. Tubarão, viaje depressa Rud., depressa. (enquanto Ida dizia – fale com clareza – mande Rudi. Vem tristezas, rápido, rápido; Rodolfo, Marta, Marta, depressa rápido depressa rápido; o tempo se esgota; Burrigo, Seeberg; chame a Marta) agora falará o Alexandre: “Há gemidos em Tubarão, Rudi, depressa, depressa, mandará Rudi trabalhar para juntar, juntar aqueles que ainda faltam. Orossanga. Ir converter para Cristo batizando, porque Kris, virá breve, não há mais tempo.
O Ziguis de longe esta observando com tristeza indeciso, espera ajuda. Haverá muita tristeza, muita dificuldade. Pastoreie o rebanho de Cristo. Tudo está sendo entregue ao poder do diabo; não está bem. A cruz de Cristo”.
Então agora eles também deveriam ir para Urussanga e assim aconteceu. Vários deles chegaram lá, mas não sabiam qual seria a casa indicada e para ter esclarecimento oraram, recebendo logo a intuição onde seria. Entraram, leram a mensagem, falaram alguma coisa, mas voltaram sem qualquer resultado.
Mais uma vez e agora o meu pai foi mandado para falar com Siguismundo, mas ele não atendeu ao convite para regressar e o que causava espécie é de que aquelas mensagens truncadas não se cumpriam; insistentemente eram mandados outra vez para insistir em arrancar aqueles últimos, que diziam ter, alguma esperança de salvação.
EU VOLTEI A REFLETIR
Causava-me muita mágoa o fato de que os meus irmãos não percebiam este engodo, continuando na sua teimosia como se estivessem imobilizados.
Tinha lutado tanto para conseguir me converter, mas logo que os profetas foram embora eu comecei a falar da minha convicção declarando abertamente que a dança ou bailado e o ato de enxotar os interessados, a profetização e as suas inquisições previstas eram totalmente errôneas.
Muitas vezes eu discuti com a minha mãe e isto me deixava muito magoado. Ainda tive uma experiência com A que me moveu a não frequentar mais aqueles cultos. Por isto a minha irmã Mely Zelma por mim verteu lágrimas.
O João Klava que por causa desta minha adesão aos Pentecostalistas e que muito se preocupava, agora, diante da minha atitude, ficou feliz. O pastor Diter havia conseguido a sua matrícula em uma Escola de Paranaguá e ele me convidou para que eu fosse junto com ele, mas fiquei em dúvida se sem os recursos financeiros necessários nós conseguiríamos o nosso intento. Sobre este assunto eu orei muito a Deus.
ANO DE 1920
Foi designado um novo campo de trabalho para os profetas, os outros correligionários viajaram em grupo para a Linha Telegráfica, mas o Alexandre, Rodolfo e Ida foram mandados continuar o trabalho em Ijuí, RS.
Eu guardei apenas uma fala deste período:
“Alexandre Raisi Brasil. Cristo está mandando insistindo. Cristo ainda mandará, vai depressa perigo de morte. O perigo está chegando e alcançará a todos. A Ida lerá”.
Obedecendo a estas falas que se repetiam eles se sentiram enviados para esta viagem e eu os levei de carro de boi até Campinas . Minha irmã Mely Zelma também nos acompanhou, por que, ao retornar, queríamos adquirir e trazer para casa farinha de mandioca. Chegamos ao destino, deixamos lá o carro e os bois, pernoitamos e no dia seguinte prosseguimos. O tempo estava limpo e nos sentíamos felizes.
A estrada ficou muito arenosa e assim apenas ao meio dia chegamos ao local ao qual eles se sentiam convidados. Estávamos muito cansados, e tínhamos ainda outra preocupação, não tínhamos a certeza do que iríamos fazer exatamente. O Rodolfo sabia ler no idioma português, mas nenhum deles estava preparado para falar; eles aceitaram como obrigação o fato de ter que esperar uma inspiração e continuavam a andar a pé cada vez mais longe.
Também não podiam cantar, por que entre aqueles profetas, apenas o Rodolfo tinha a voz afinada. Em casa nós fizemos conjecturas de como é que eles iriam chegar em Ijuí.
Tinha lutado tanto para conseguir me converter, mas logo que os profetas foram embora eu comecei a falar da minha convicção declarando abertamente que a dança ou bailado e o ato de enxotar os interessados, a profetização e as suas inquisições previstas eram totalmente errôneas.
Muitas vezes eu discuti com a minha mãe e isto me deixava muito magoado. Ainda tive uma experiência com A que me moveu a não frequentar mais aqueles cultos. Por isto a minha irmã Mely Zelma por mim verteu lágrimas.
O João Klava que por causa desta minha adesão aos Pentecostalistas e que muito se preocupava, agora, diante da minha atitude, ficou feliz. O pastor Diter havia conseguido a sua matrícula em uma Escola de Paranaguá e ele me convidou para que eu fosse junto com ele, mas fiquei em dúvida se sem os recursos financeiros necessários nós conseguiríamos o nosso intento. Sobre este assunto eu orei muito a Deus.
A MINHA VIDA
Nós passamos a frequentar tardes Letas a fim de juntar algum dinheiro para presentear os necessitados daquele país. Os alemães já foram embora, mas no seu lugar ficaram os comunistas.
Os gafanhotos também devoraram tudo do pasto e da lavoura, e sobre a atividade agrícola não depositava mais nenhuma esperança e eu estava cansado de insistir. Uma vez que o Germano Skoolmeister contratou com a Prefeitura a construção da estrada que ia passar atrás da casa do meu avô, me engajei com ele para trabalhar naquela obra. Comia na casa dos meus pais. O trabalho era muito pesado. Cavar com a pá e depois jogar aquela terra longe não era tarefa fácil principalmente para mim um jovem. De cansaço doíam os ossos e até parecia que não poderia suportar, mas criei coragem e insisti. Trabalhava-se 9 horas por dia, iniciando-se a jornada bem cedo de manhã. Eu ganhava 4$000 (quatro mil reis) por dia, trabalhei um mês inteiro e recebi o total de 105$000.
A minha família mudou-se para a casa dos meus avós. Enquanto os profetas estavam ausentes, o seu lugar de liderança foi ocupado pelo irmão Teófilo e Mely Zelma. Através daquele linguajar foi ordenado que deveriam viver em comum sob o mesmo teto. Meu avô aceitou esta manifestação com desconfiança, mas obediente consentiu. Eu mesmo ajudei transportar os utensílios e a mobília para a nova habitação e fiquei morando sozinho na casa antiga em companhia de um relógio de parede que batia as horas. Vivia e trabalhava solitário, mas ia fazer as minhas refeições junto da família. Andava triste e sem objetivo, mas havia uma vantagem, não precisava mais acordar com aquela barulheira de bailado infernal da louvação. Este episódio também nunca esquecerei.
EM FEVEREIRO DE 1921
Mais uma vez os profetas retornaram. Não sei como eles conseguiram chegar em Ijuí (R.G. Sul), mas sobre a sua atuação naquela Colônia Leta não recebi nenhuma informação. Depois desta visita eles pegaram o navio em Porto Alegre e desceram no porto de Itajaí e voltaram a Linha Telegráfica. Em Rio Branco, um lugarejo que se situava próximo, eles primeiro visitaram o Graudim e o seu grupinho formado de Letos e Alemães que professavam a mesma crença de Pentecostes, mas verificaram que este grupo havia se separado do outro da Linha Telegráfica. Então houve cisma.
Com muita tristeza o tio Rodolfo contou:
“O diabo com tanta eficiência imita o Espírito Santo de Deus, que se torna difícil distinguir o certo do errado. Eles também falam línguas estranhas, dançam em louvor a Deus ainda mais forte de que nós; no entanto, foi nos revelado claramente que eles estão possuídos pela força do mal. Vejam quanta escuridão está cobrindo a terra. Torna-se quase impossível distinguir qual é o verdadeiro Espírito Santo”.
O Rodolfo agora está possuído por aquela força. Fora eleito o principal profeta e chefe. Teria falado com Deus rosto a rosto. Fora-lhe anunciado que ele seria uma das testemunhas na Nova Jerusalém e estava tão convencido disto que solicitou um plebiscito dos fieis com a pergunta: “Tu acreditas que eu sou um daqueles testemunhas, que eu serei torturado e morto, e depois arrebatado para os céus? E como uma prova de que as suas palavras eram verdadeiras ele mandou que a chuva parasse (e que realmente isto aconteceu conforme testemunho deles)”.
Mas agora depois de ter regressado a Mãe Luzia ele estava pálido e adoentado e mal podia assistir as reuniões.
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