História de Emílio Andermann 6ª Parte
M E M Ó R I A S
De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman
“Leiam também neste mesmo Blog o artigo escrito por Julio Andermann que está em “Crônicas Históricas com o titulo de” Meu pai Carlos Anderman”
Nesta parte o escritor mora em Nova Odessa e tem a oportunidade de conhecer o famoso pastor João Inke e Família.
Nesta parte o autor intercala partes da história da 1ª Guerra Mundial e da formação da Letônia como nação. Apresenta os horrores da ocupação da nação pelas forças comunistas e as barbáries cometidas por eles narradas pelo Pastor Inke.
SEGUNDO CADERNO
NOVA ODESSA – SÃO PAULO
O casamento de Eduardo e Sofia
Há muito tempo o Eduardo Karklis me perguntava desconfiado sobre as
relações deles. Ele ficou admirado por causa da minha ignorância a este
respeito, até que de repente, uma semana atrás, Zenia perguntou a minha
opinião para saber se era aconselhável que a Sofia se unisse com Eduardo
Leeknin.
“Isto será a felicidade dela” eu respondi.
Fiquei muito contente por causa do motivo desta união. Iniciaram-se os preparativos para o dia do casamento; assavam-se bolos, preparava-se comida a base de carne e, por fim como ficou linda aquela festa.
Tive encontro com os meus companheiros e em grupo, nós conversávamos sobre vários assuntos e servíamos estes momentos de companheirismo em toda a plenitude.
Também tiramos fotografias, para ano futuro comemorar este acontecimento.
EM 19-09-1921
Certamente este foi o último domingo no qual eu dirigi o culto na Igreja Batista Leta da Fazenda Velha por que estávamos esperando a breve chegada do Pastor João Inke. Deixarei esta responsabilidade com muita satisfação.
Fui eleito e aceitei esta responsabilidade por que pensava: “Em breve chegará o Pastor João Inke”.
Espero que Deus abençoe este meu trabalho que executei com tanta imperfeição.
JOÃO INKE E A SUA FAMÍLIA (24-09-1921)
Finalmente hoje nós tivemos o prazer de receber esta personalidade que já estávamos aguardando há 10 meses. Jekabson e eu fomos a Campinas ao seu encontro, quando aproveitei a viagem para adquirir livros. Na estação tomamos o mesmo comboio ferro carril a cujo bordo vinham as nossas visitas. Também lá encontrei a minha irmã Lídia e nós dois conversando, nem percebemos a passagem do tempo.
O trem parou em Nova Odessa e na plataforma da estação estavam reunidos muitos letões. Também compareceu a banda musical que tocou a marcha “Riga” tão apreciada pelo nosso ilustre visitante.
Qual a impressão que ele deixou em mim: um homem alto, robusto, com o chapéu na mão, portanto um cavanhaque encanecido; mas com que profundo respeito todos cumprimentavam este visitante que veio da Letônia. O seu filho com 16 anos já tinha uma fisionomia de adulto. A sua senhora e a filha pareciam um pouco gordas.
Depois de uma semana também chegou o seu irmão Ricardo Inke em viagem de férias, pois depois da permanência de uma semana pretendia seguir para a América do Norte.
Para mim este dia deu uma grande alegria em Nova Odessa por que eu admirava este homem e agora o ouvia falar.
A RECEPÇÃO
Depois da Congregação toda já estar reunida na Igreja, entraram os nossos visitantes. Tanto eles, como toda a congregação estava visivelmente emocionada. O Coro cantou um Hino de Saudação. O Strelniek iniciou o culto cumprimentando o Inke e dando as boas vindas em nome da congregação. Depois também as outras uniões da Igreja o saudaram, assim como eu, representando a nossa classe de Estudos Bíblicos.
Ricardo Inke também cumprimentou o irmão com muita humildade. “Eu não sou digno de atar os cordões do seu calçado e em plenitude ele é aquilo que eu sou na insignificância” disse ele e todas as palavras demonstravam sentimentos de todos nós que desejávamos aproximar-nos mais de Deus.
Os dois irmãos viveram juntos na infância – mas com a ida de João para Riga houve a separação.
Finalmente ouvimos o sermão se J. Inke sobre o Tema: “O amor fraternal”.
O culto noturno também foi muito bem frequentado e depois do culto veio aquela outra parte da festa com a mesa posta.
A MINHA FAMÍLIA VIVENDO EM LINHA TELEGRÁFICA
Eu tive um grande prazer de encontrar o velho Gailis, um irmão na fé e um letão respeitável. Nascido em 1846, serviu 3 anos no exército do Tzar e depois foi nomeado escrivão.
Junto com outras 7 famílias imigrara para o Brasil em 1891, um ano depois daqueles que vieram para o Rio Novo e estabeleceram-se em Oratório – depois Ijuí (RS.)
Ele contou que o Rodolfo e a Ida também lá estiveram em visita e eles aderiram ao movimento. Um certo Ozols começou a balbuciar línguas estranhas. Mais tarde ele havia falado que Ricardo e João Inke foram entregues ao satanás para que ele os destruísse, por que eles prejudicaram muito o movimento Pentecostalista: isto mostra que onde houve uma oposição inteligente, eles não conseguiram firmar-se.
O Ozols depois quis publicar notícias nos jornais, mas tendo pouca instrução os escritos dele não foram entendidos pelos redatores que explodiram em gargalhadas.
O velho Gailis diante de tanta confusão resolvera viajar para Rio Branco e Linha Telegráfica para clarear as ideias, aonde chegou em 11-09-1921. Primeiro ele hospedou-se na casa do Graudin com o qual teve uma conversa que o convenceu de que este movimento tinha fundamento na Bíblia.
Depois fora para Linha Telegráfica, que se situava próximo, alguns quilômetros de distância e em lá chegando, encontrou a Ida que o levou para o campo onde todos trabalhavam em mutirão e, ali mesmo apresentou ao Alexandre. Ele então disse: “tarde, tarde demais e etc”.
Em seguida procurou o Rodolfo que o acusou de pertencer à “grande multidão”, mas para ele ficar por lá mesmo. Durante a reunião da Congregação tivera de ficar do lado de fora da fila e da roda e que em situação idêntica, estavam o velho Straus, Ricardo e uma menina.
ALIMENTAÇÃO – eles viviam em coletividade nos moldes do que está escrito nos Atos dos Apóstolos. O desjejum era servido depois do culto matinal; mas o almoço depois do culto e o jantar servido antes do culto noturno. As vinte pessoas presentes faziam a refeição em uma única mesa, a louça e os talheres eram em quantidade insuficiente.
AOS DOMINGOS – jejum – apenas pão com água que todos quebravam com a mão tirando um naco de uma só unidade e a água era bebida de uma só caneca que passavam de mãos em mãos, em torno da mesa de refeições, isto para simular que cada um per si havia arrancado um pedaço do corpo de Cristo e também tomado o seu sangue.
REUNIÕES – o primeiro culto era realizado ainda de madrugada à luz de lampião de querosene, era tranquilo; depois do almoço mais uma reunião com aqueles excessos de dança alucinada. A Ida, o Rodolfo e o Alexandre que eram os profetas, receberam uma ordem espiritual de que deveriam usar túnicas brancas como o fizeram os Apóstolos na antiguidade e para isto já haviam comprado o pano.
TRABALHO – as meninas plantavam arroz; o meu pai limpava um terreno com a foice; o meu irmão Teófilo foi encarregado de cortar o capim e alimentar os animais. O Rodolfo trabalhava fazendo qualquer coisa em casa. Na pocilga havia ainda 3 leitões que ainda poderiam ser consumidos, mas depois a sua criação estava proibida.
Quando Gailis finalmente expressou a sua vontade de viajar para São Paulo em visita ao filho, não quiseram deixar, mas a última palavra era do Rodolfo: “se quiser ir, pode, mas depois não volte mais”, ele sentenciou.
As pessoas afundam no abismo da ignorância, longe do entendimento, distante dos ensinamentos de Deus e a verificação deste fato é a causa da minha dor, dos meus lamentos, dos meus suspiros por que parte deles era constituída de toda minha família e seria muito mais aceitável ter eu sido “amaldiçoado” ao em vez dos meus irmãos, mas em mim acordam esperanças de que, de alguma maneira, eu os poderei convencer para que voltem ao caminho da verdade.
Então, eu me pergunto, como há de ser aquele momento quando eu lá chegar à Linha Telegráfica em visita; vê-los de novo e com eles falarei. Será que terei ânimo para conter as lágrimas – ao contrário do que já me tem acontecido muitas vezes.
Deus que conhece todas as coisas que acontecem, ajude a mim e a eles.
UM ENCONTRO CORDIAL
Estou me sentindo muito contente e feliz, por que tive um encontro com o meu irmão na fé e companheiro, o jovem Inke, que veio em companhia do pai. Hoje a noite teria havido um culto, se não tivesse caído chuva tão necessária para os agricultores porque as precipitações, neste ano, não foram suficientes.
Eles chegaram a pé quando a chuva começou porque o abrigo aqui em casa era mais próximo que o da Igreja. Por causa disto eles junto com o Jekabson chegaram para nos visitar. Esta foi para mim uma surpresa agradável.
O Inke contou sobre aqueles tempos dos bolcheviques, sobre educação na escola, quando, logo em seguida, chegaram também o Leopoldo, junto com a Emma, Olga e Teófilo. Para não desperdiçar este momento cantamos alguns hinos em conjunto e o João Inke leu aquele versículo do Apocalipse: “Mas eu tenho isto contra ti que desprezaste o primeiro amor”, que ele explicou com grande simplicidade que era baseada na sua fé humilde e convincente.
O FILHO DE NATALIA PETERLEVIZ
Nós fomos fazer uma visita na casa dela, ontem de noite. Lá estavam reunidos muitos convidados e parentes, entre eles encontramos o jovem Inke que nos contou a respeito dos desvios espirituais errados; falando da intransigência daquela gente baseada no orgulho por se sentirem donos da verdade.
Mas a parte mais interessante foi à reunião; um culto que foi dirigido pelo velho Inke quando então nós sentimos a presença de Deus através das nossas orações. Mas em vez de sermão tivemos palestras de esclarecimento que também são necessárias por que provocam perguntas para serem esclarecidas.
Todas estas atividades convencem que o Inke é profundamente devotado à causa de Deus e a sua atuação tem sido muito abençoada. Nada ele quer fazer de sua própria iniciativa, mas espera a inspiração divina. As suas falas não contem hipocrisia e sempre são fundamentadas nos ensinamentos da Bíblia. Ele espera em tudo que faz a orientação Divina e se esforça para também a nós ensinar este caminho.
Admitimos na União da Mocidade o jovem Inke e a Emma Inke, Olga, J. Jekabson e A Peterlevic.
Recebi a carta de uma amiga minha chamada Emma, onde ela escreve que está cuidando do seu pai doente. Já há mais de um mês ela está à cabeceira do leito do seu pai e triste, chorando está aguardando o futuro. Mas no fim da leitura percebe-se uma profunda confiança em Deus quando ela testemunha: “Serei feliz sob a proteção de Deus”.
EM 12/10/1921
No culto noturno o Inke continuou a sua narrativa sobre a Grande Guerra Mundial. Aqui transcrevo um pequeno resumo sobre estes acontecimentos: “com esta narrativa não desejo apenas satisfazer a vossa curiosidade, mas desejava, também através desta vivência mostrar um vários episódios, a época em que vivemos”.
Como um marinheiro orienta o seu rumo pela posição do sol assim nós devemos orientar-nos pelas profecias escritas na Bíblia. Para facilitar vou dividir este tema em cinco partes:
I – que vou deixar para explicar em outra ocasião
II – o período Kerenski
III – o período da ocupação alemã
IV – o período dos bolcheviques e o renascimento espiritual
V – a República da Letônia
I PARTE
Em 1916 o outono foi muito difícil para os Batistas na Rússia. A nosso respeito foram espalhadas notícias falsas de que nós éramos amigos dos alemães e por causa disto, perigosos, etc. ignorando a nossa atividade e os esforços que realizamos apoiando as Forças Armadas Russas com a mobilização dos Batistas, em grande número, que lutavam na Linha de Frente. Muitos Batistas foram presos, os templos de oração fechados e proibidas as reuniões. O líder da Confederação Batista, J. A. Frey foi deportado para a Sibéria. Eu mesmo com uso de passaporte antigo me refugiei em Novogorod na Rússia.
Na primavera fui convidado para trabalhar como Pastor dos retirantes e assim viajei visitando os correligionários Batistas espalhados pela zona de conflito, fazendo um trabalho pessoal porque as reuniões continuavam proibidas.
Foi naquela época que um lavrador siberiano, beberão e malandro de nome Rasputin, lentamente conseguiu exercer a sua influência sobre as pessoas mais importantes conseguindo penetrar na Corte e ser nomeado Staretz; sacerdotes que na Rússia antiga ensinavam o temor a Deus e vigiar a prática dos bons costumes.
Na Corte do Tzar da Rússia reinava o desespero, tanto por causa dos insucessos na guerra, como por causa do Príncipe Herdeiro que era de uma constituição muito débil e havia fraturado a coluna e o tal do Rasputin conseguiu impressionar a Corte e se tornou amigo íntimo da Tzarina.
Ele conseguiu aprender a comer com talheres, mas auxiliados pelos dedos. Numa certa ocasião uma dama da corte, depois da refeição, lambeu-lhe dos dedos toda a gordura agarrada pelo manuseio do alimento. Deste detalhe se conclui a que ponto havia chegado à aristocracia na Rússia.
A Guerra já havia causado tantas baixas nas fileiras do exército que para substituí-los, já estavam convocando soldados com menos de 19 anos e mais de 45; então os povoados ficaram vazios de homens e o trabalho pesado tinha de ser executado pelas mulheres.
Quando desconfiavam do surgimento de qualquer ideia de liberdade nas fileiras do exército então era adotado um regime de violência insuportável e foi assim que começou a convulsão.
Nós tínhamos tanto ódio contra esta Rússia antiga e até desejávamos que ela fosse vencida pelos alemães.
No início de 1917 o Rasputin foi assassinado enquanto estava bêbado. Em São Petersburgo começaram a realizar reuniões de protesto até no meio da rua tolerados por causa de um tratado assinado com os aliados, mas quando perceberam que este movimento socialista já estava indo muito longe, então o Governo mandou os Kossakos para dispersar as multidões. No entanto eles não obedeceram às ordens, foram aplaudidos pelo público como amigos. Depois mandaram os “gordavajos” (polícia civil) e agora estes eram impedidos de agir pelos Kossakos, que não permitiram o massacre da multidão desarmada. Então resolveram uniformizar a policia civil, mas sem resultado por que já era tarde.
Consequentemente os amotinados soltaram todos os presos e atearam fogo nas prisões provocando grandes incêndios e as multidões corriam pelas ruas sem qualquer destino.
Eu observei tudo isto em pé sobre uma calçada e fiquei estupefato assistindo este espetáculo e vi como fugiam os guardas como sinal de que todo este sistema antigo tinha desmoronado.
Recentemente o Tzar tinha ido visitar a linha de frente, mas na volta não foi recebido, e quando regressou não o deixaram entrar em São Petersburgo, então o último recurso foi procurar refugio no meio do Exército na linha de frente onde não foi aceito sob a alegação que os nobres da comitiva estavam embriagados. Com urgência mandaram uma Comissão do Congresso ao seu encontro que o obrigou a assinar a carta de renúncia do Trono na intenção de mandá-lo para a Inglaterra onde ele tinha parente, mas não houve tempo para isto por que através de um outro ato foi assinada a nomeação de Kerensky como Chefe do Governo Provisório.
II – O PERÍODO KERENSKI
Ele tinha a formação de socialista moderado e desejava dar a liberdade para todo o povo do Império Russo; para as Forças Armadas e até anistiar os prisioneiros – ocasião na qual J. A. Frey retornou da Sibéria.
O seu governo teve o propósito de convencer o povo com argumentação e não reprimi-lo com o rigor da lei. Desejava continuar a Guerra e para isto ele próprio visitou a linha de frente onde tentou influenciar as tropas com os seus discursos inflamados.
Mas neste ínterim ressuscitou aquela cobiça de liberdade que foi animada pelos espiões alemães e em toda à parte, todos de uma só voz, passaram a exigir o fim da guerra.
Chegou, atravessando a Alemanha de trem, Lenine que iniciou aquela política evasiva, apoiada pelos rublos de ouro que caíram nas suas mãos e daquelas exclamações: “paz e pão” que nos ouvidos da população soavam muito mais agradáveis do que aquele ideal e Kerensky.
Então como participante destes fatos históricos assisti a uma terrível ilusão, por que a ideia da liberdade desvaneceu quando verificaram que não era bem isto que todos queriam. A multidão havia agarrado 3 guardas, que amedrontados suplicavam pelas suas vidas pedindo misericórdia, apelando que tinham mulheres e filhos que com a sua morte ficariam desamparados; mas nada disto adiantou por que os seus crânios foram esmagados a custa de pauladas e pedradas, sendo que um deles tinha cabeça muito dura que resistiu ao massacre, este então foi sangrado a espada.
Em outro local um “prestavo” estava passeando com a família quando foi reconhecido e preso. “Ele deve morrer de pancada” gritava a multidão. Então toda a família se ajoelhou perante os algozes pedindo pelo amor de Deus que a vida dele fosse poupada, mas nada disto adiantou, por que os malfeitores arrebentaram a cabeça dele. A mulher do policial apavorada procurou uma fenda de gelo no rio e nele atirou os filhos suicidando-se em seguida por afogamento.
Numa noite arrombaram a casa de um guarda e o assassinaram. A sua jovem esposa então em desespero vestiu os trajes nupciais do casamento ainda recente, tomou veneno e morreu ao lado do marido. Então o povo viu aquele quadro pungente vendo o resultado da própria loucura.
Na minha função de Pastor visitei os cemitérios para ver se identificava algum desaparecido, então vi filas de guardas mortos por esmagamento de crânio e também, outros carbonizados pelo crime de serem guardas penitenciários, pois quando soltavam os prisioneiros, os prendiam nas celas e atearam fogo na penitenciária.
Voltei para a Riga com a minha identificação vermelha, mas a minha esposa não me recebeu com aquele calor que estava esperando. Perguntei pelo motivo, e assim soube de uma manifestação que aconteceu quando moças ainda meninas apanharam um menino Israelita que fora obrigado a gritar: “viva a liberdade” contra a sua vontade e a dos seus pais; então passei a temer aquelas manifestações de liberdade com receio de ser humilhado. Este último acontecimento encheu de vergonha todo o povo de Riga.
Ato contínuo, a Riga foi ocupada pelos alemães. Os meus filhos ficaram retidos em Vidzeme, onde foram a passeio, longe de nós.
A COMPARAÇÃO DE JOÃO INKE COM SAVANAROLA
Com muito interesse eu li a história da vida de Savanarola, na qual, ficaram inscritas com letras de ouro, para sempre.
O João Inke também conseguiu quebrar a dureza dos corações de milhares de pessoas cheias de maldade e agora que ouço as palavras dele, examino a sua obra escrita, a sua maneira de ser, então com alegria tenho vontade de proclamar: “Ele é igual à Savanarola”. Através da sua atividade se espalhou o mesmo avivamento, por que ele maneja a espada do espírito. A sua pregação não é uma filosofia formal, mas é baseada nos ensinamentos de Cristo e deste modo ele se distingue entre os outros famosos comentaristas.
Ele espera tudo de Deus. Fala de improviso sem consultar qualquer anotação, usando as palavras que Deus lhe inspira na mente através do Espírito Santo. Alegra-me muito o fato de descobrir que ainda existem homens que combatem e vencem a incredulidade de hoje em dia.
Honra e glória a Deus seja dada.
OS LIVROS ESCOLARES
Por muito tempo eu sofri por causa da falta de livros. Quando recebi o dinheiro do Alberto, então comecei a pensar em adquiri-los e para suprir esta falta gastei 50$000 (cinquenta mil reis). Tive sorte em descobrir um “Sebo”, onde consegui livros de estudo bons, de baixo custo, e assim ficou satisfeito esta minha carência.
MINHA VIDA EM 18/10/1921
Há muito tempo não tenho abordado este tema que tive de postergar por falta de tempo disponível.
Hoje chuvisca. Caem pequenas gotas sobre a terra, umedecendo as plantações, que durante este tempo, este prolongado inverno, sofreram secas. Este prolongado tempo de estiagem durou até a entrada da primavera e atrasou a atividade na agricultura. Agora no verão, quando chegou o calor abafado é que aumentou a precipitação.
Toda a primavera trabalhei na preparação da terra, cortando arbustos, arando. Isto feito com a enxada eu abro pequenas covas nas quais o Rodolfo joga sementes, tarefa que vamos terminar hoje. Na outra metade deste terreno já havia sido plantando o milho que já está com um palmo de altura quando ainda nascerão estes dentro de algumas semanas.
Na escola tudo corre normalmente. Com grande entusiasmo estamos estudando matérias escolares e preparando-nos para os exames. Na álgebra nós estamos nas equações com duas incógnitas. Nesta semana não haverá aula, o professor está exausto. Ele sente dores em uma vista e na cabeça; o médico recomendou para que ele diminuísse o ritmo de trabalho.
Nos estudos escolares eu já estou adiantado em muitas lições na frente dos outros alunos. Também estou estudando Latim, Francês e Alemão, mas me aprofundei mais na geometria e no estudo da gramática. Estudo diligentemente com o máximo prazer, pois estou aproveitando qualquer tempo disponível para adquirir mais conhecimento e me entristece profundamente o fato de que desperdicei a minha infância por não ter tido acesso a escola, pois estaria muito mais longe se tivesse iniciado os meus estudos com a idade de 10 anos.
PRIMAVERA
Depois da chuva a natureza ganhou vida. As plantações acordaram e surgem da terra os pequenos brotinhos. De repente como tudo está mudado por que o triste aspecto de terra seca ficou coberto com um manto verdejante, reanimando a vida de todas as criaturas. Os laranjais florescem e as suas árvores parecem buquês de noiva, tornando formosa toda a natureza.
EM 15/09/1921
Casou o Carlos Karklis com Edvige Indrikson
EM 26/09/1921
Faleceu o velho Burmeister vitimado por uma pneumonia.
A MINHA IRMÃ LIDIA
Recebi dela uma carta que ela inicia: “Mais uma vez mando notícias sobre a minha vida amarga”. Ela tem uma vida dura trabalhando como empregada da senhora Ingram por que além de trabalhar estuda, além disto, o seu coração está oprimido por causa de um e outro mal entendido pelos Novaodessenses.
Às vezes de tanto cansaço perde a coragem e até tem vontade de fugir e sente muito o estado de pobreza em que se encontra. Os dentes estavam cariados sem a possibilidade de frequentar um dentista, somente agora ela contratou os serviços de um por 160$000 (cento e sessenta mil reis).
De boa vontade ela gostaria de viajar comigo de volta para Santa Catarina. Como é difícil estudar nestas condições.
PALESTRA DE JOÃO INKE
O AVIVAMENTO ESPIRITUAL NA LETÔNIA
A respeito do avivamento espiritual havido na Letônia, depois da Grande Guerra, nós pensávamos ora com crítica, ora com benevolência. Aqui chegamos a pensar que se tratava de um “fluxo de sentimentos” que como um tornado leva para os ares aqueles que não têm peso, não são firmes na sua fé para ficar com os pés na terra; estes voam, mas depois de certo tempo, são outra vez colocados no chão.
De início, também o Inke disse ter pensado muito sobre o assunto. Estudou profundamente o assunto à luz das Escrituras, mas ele não era daqueles que precipitadamente se jogam de cabeça em águas rasas.
Agora ele está alegre por causa desta mudança de rumo, por que as cartas que ele está recebendo da Letônia fortalecem a convicção de que Deus está conduzindo este despertamento.
Eles já há muito tempo tiveram notícias sobre o movimento espiritualista na Inglaterra, na Alemanha e outros países da Europa. Antigamente eles até lutaram contra este movimento, enquanto ele surgiu, espontaneamente, lá mesmo na Letônia, sem qualquer influencia estrangeira.
Inicialmente ele surgiu na localidade de Siberes e Laikalas junto da fronteira com a Polônia, onde havia pontos de pregação missionária sob a direção de Otto Weber. Ele havia sido batizado há 10 anos atrás, trabalhava ativamente como Professor da Escola Dominical e na evangelização de rua.
Quando o João Inke visitara aquelas localidades, ele perguntou ao Otto Weber se ele não desejaria assumir o pastorado destas Igrejas Batistas. Ele aceitara o convite e trabalhara ativamente provendo o seu próprio sustento.
No mês de agosto de 1918 aquelas Congregações haviam sido santificadas recebendo aquele poder do alto. O Inke continuava separado da família por causa da ocupação do País pelos alemães. Um colportor de denominação Luterana que passara por lá foi o primeiro a dar notícias transmitidas com surpresa e o Inke ficou admirado de como aquela gente sob a direção de Otto Weber chegou a ir tão longe, mas não notara nenhuma maldade na notícia transmitida.
Em seguida recebera uma carta pessoal de Otto Weber que confirmou aquela notícia. Finalmente o próprio Otto Weber procurou Inke pessoalmente e depois de muitos dias de discussão sobre o assunto, ele se convenceu e considerou este movimento idôneo.
Já antes da Grande Guerra o Pastor Inke havia notado a falta de entusiasmo, o esvaziamento espiritual; todos os membros procuravam adquirir riquezas materiais.
A mocidade procurava o luxo e a vida particular de alguns pastores saiu da austeridade prometida no juramento; mencionado os nomes de Kragis, Sermelis, Buceris como exemplo.
Os cultos eram bem assistidos, mas formalmente, sem entusiasmo; mas o período de guerra riscou todas estas situações da existência. O João Inke e outros pequenos grupos lutaram com insistência e alcançaram a misericórdia, por que as grandes reuniões nos templos continuaram a ser proibida.
Com o tempo quando veio uma ordem permitindo a abertura dos templos; ele convocara o Conselho da Congregação e confessou o avivamento e a mudança do rumo doutrinário de sua convicção e até admitiu a possibilidade de se afastar do cargo por esta razão; mas os Conselheiros reconheceram que a sua explicação tinha fundamento na Bíblia.
Também a Congregação havia entendido esta situação, desta resolução; houve um avivamento, reuniões cheias de bênçãos, os corações empedernidos foram convertidos e abençoados.
Este avivamento havia alcançado todas as Congregações Batistas de Vidzeme e depois também de Kurzeme. De todos os lugares chegavam pessoas para mitigar a sede espiritual nesta correnteza; purificavam-se e se consagravam a Deus.
CONTINUAÇÃO DE 12/10/1921
As Forças Armadas da Alemanha e da Rússia, por muito tempo permaneceram estagnadas esperando uma decisão final.
Não acontecia nenhum ataque bélico dos Alemães e parecia que eles estavam esperando que melhorassem as condições da vida em Kurzeme, para então ocupar o território.
Os exércitos permaneceram inativos e em consequência disto lentamente ia se extinguindo o ódio. As duas Forças inimigas iniciaram um período de amizade e congraçamento e até parecia que o Reino de Paz tivesse descido sobre o Campo da Morte.
Os soldados Russos, em pequenos grupos iam visitar os alemães para obterem um “shnaps” de boa qualidade por que não recebiam mais suprimento de “wodka”, por falta desta bebida própria para o consumo humano, eles bebiam até o álcool envenenado, mas nas linhas alemãs havia até conhaque disponível.
Os soldados alemães pagavam estas visitas de cortesia visitando os Russos, mandando oficiais, como o uniforme de praças, para aproveitar o ensejo de espionar a verdadeira situação bélica do inimigo e espalhar boatos.
Num belo dia, inesperadamente, os Russos recuaram abandonando o terreno que defendiam e a principal causa desta ação foi a monotonia aborrecida da tropa estagnada em frente do inimigo sem atividade.
Foram explodidas as pontes e incendiadas os suprimentos bélicos e o bairro de Dinaburgo em Riga foi bombardeado pelos aviões dos retirantes e a artilharia que antes fora por eles ocupado. Aconteceram assaltos e roubos iniciados pelos Russos que fugindo queriam levar qualquer coisa.
No dia seguinte estas posições foram ocupadas pelo orgulhoso Exército Alemão. As tropas deles eram robustas e bem alimentadas; mas os habitantes locais estavam passando fome, apesar dos alemães permitirem a venda do pão e ofereciam, uma vez por dia, uma sopa de centeio feita com farinha velha, sem qualquer acompanhamento.
Construíram em torno de Riga uma cerca eletrificada e ninguém teve a permissão para deixar a cidade. Não havia nada para comprar. Muitos morreram de fome que os alemães apelidaram de “morte provocada pela debilidade da idade”. Muitos perambulavam pálidos e intumescido pela fome. A hora de recolher era às 6 horas da tarde e depois era proibido sair de casa.
Cerca de duas semanas depois da ocupação chegou em visita o kaiser Alemão, acompanhado do príncipe da Bavária (as tropas de ocupação eram Bávaras). J. A Frey chegou em Riga voltando do confinamento em Sibéria e quase foi atingido por uma granada que explodiu por perto no momento que ele estava abrindo a porta e foi jogado para dentro da casa pelo deslocamento do ar, mas sem sofrer qualquer ferimento.
NOVEMBRO DE 1921
Neste verão está muito quente. O sol brilhou, o ar está abafado a ponto de dificultar a respiração. O pensamento está embotado e o corpo cansado parece que foi cozinhado. Nem de noite dormindo a situação melhora e parece que a atmosfera está mais quente ainda.
O estudo ficou difícil, os trabalhos na lavoura estão parados e aproveitamos o estio para capinar o arroz. Estou tendo dificuldade de assimilar as matérias do currículo escolar e por isto tomei algumas aulas particulares para estudar o idioma francês ministradas por João Karklis. Todo o tempo de que disponho eu emprego no estudo dos deveres escolares e, também para escrever este diário.
A Lídia escreveu uma carta mais alegre que muito me animou.
O NOVO GOVERNO LETÃO
Antes da instalação do Governo Provisório, poucas pessoas acreditavam que seria proclamada a República Independente.
A União dos lavradores, aos sussurros estava conspirando e já estava em entendimento com os alemães. No entanto ainda reinava o duro regime deles. Havia soldados alemães por toda parte tomando conta da ordem auxiliada pela Força Pública, mas que proibiam qualquer atividade.
Muitos consideravam este ideal de independência apenas um sonho. Repentinamente foram distribuídos convites para que todos comparecessem ao Teatro Russo, onde seria proclamada a Independência da Letônia. Na reunião de público numeroso foram ouvidos vários oradores e assim foi fundada a República da Letônia.
Elegeram Ulmanis e Cakste como Líderes do Governo Provisório, mas eles não dispunham de Forças Armadas, nem armamentos. Os cidadãos mais proeminentes não se manifestavam por precaução. O Exército Alemão estudou este procedimento durante uma semana e depois, em 26 de novembro entregou as rédeas do Governo à Junta Provisória, em forma de uma notificação.
Esta ordem constava de 2 itens:
1º. O Governo Provisório, sob o comando do General Salit convocaria um Contingente de 6 Batalhões, que foi realizado aceitando voluntários de todas as regiões do País, mas, inexperientes e sem qualquer treinamento militar, quando foram mandados lutar contra os bolchevistas, alguns se acovardaram, alegando que não combateriam compatriotas, se rebelaram contra os oficiais ferindo alguns deles. Atendendo ao apelo do Governo, alguns cruzadores ingleses que estavam no Porto de Riga, bombardearam o quartel amotinado obrigando a rendição, o que é compreensível, pois o bando de adolescentes não estava preparado para entrar em combate.
2º. Seriam respeitados os direitos da minoria étnica alemã radicada na Letônia.
Em 3 de janeiro os bolchevistas ocuparam Riga e o Governo teve de fugir, recuar, para Leipaja levando junto os oficiais e os comandantes.
NOVA ODESSA – 4 DE NOVEMBRO DE 1921 – 5ª FEIRA
Houve uma reunião de liderança da Igreja e pela primeira vez fui convidado a participar, no meio de irmãos mais idosos.
Compareceu toda a Diretoria chegando um depois do outro. Acredito que todos nós desfrutamos desta comunhão de irmandade e do amor fraternal. Expressando o meu sentimento eu diria que me sentia alegre e fortalecido.
O nosso primeiro assunto foi o exame da proposta do Jankevitz que pedia apoio para os Russos em geral, alegando que havia terminado a Guerra e eles estavam na miséria, além do que lá existia seca. O Inke não prometeu nenhuma providência por que não queria envolver-se com incrédulos.
Então veio o pedido a respeito do Sprogis que estava acamado por doença. Para este caso seria aberta uma subscrição voluntária em dinheiro e convocado um mutirão para cuidar da lavoura. Depois do Jankevitz sair, foi criticado por falta de discernimento ele não entendeu que nós não poderíamos confraternizar com os comunistas.
Depois eu falei sobre os acontecimentos da Linha Telegráfica e o João Inke chegou a conclusão que eles receberam as bênçãos; mas faltou liderança dizendo que não tinham tomado alguma atitude e colocou a culpa no meu pai a quem faltara a firmeza na “coluna vertebral”, permitindo que os jovens, por este motivo, afundassem numa situação errada.
OS COMUNISTAS NA LETONIA – J. INKE
No período a partir de julho de 1915 até agosto de 1917 os comunistas não se manifestaram, por que havia um tratado de Paz com os aliados, na qual havia uma cláusula que proibia a mudança do regime com violência e a desocupação da Letônia tinha de ser realizada com tranquilidade política.
O novo Governo havia sido fundado em 18 de novembro de 1918 tendo uma Força Militar de apenas 6 Batalhões, e com uma Força tão insignificante e sem experiência, não era possível, no momento, resistir aos comunistas que foram convocados entre os veteranos da 1ª Grande Guerra.
Os comunistas ocuparam Riga em 3 de janeiro de 1919 e o Governo Provisório teve de recuar para Liepaja, evacuando junto às lideranças políticas, o Estado Maior, e os intelectuais.
Para manter a ordem e entregar a cidade ao adversário foram deixados alguns soldados nos seus postos, mas o primeiro ato dos bolchevistas ao ocuparem a cidade, foi fuzilar sumariamente estes adolescentes inocentes.
Eu estava caminhando pelas ruas da cidade. Vejo andando apressados dois homens liderados por um jovem. Eles estavam armados e o adolescente apressava o seu passo e animava os seus companheiros adultos: “vamos, vamos depressa para quebrar a cara de alguém”. Eles sumiram da minha frente, mas logo lá adiante vi um jovem soldado Letão, vestindo a farda do Governo Provisório, assassinado pela trinca que me antecedeu. O crânio dele estava esfacelado com coronhadas e estava caído de bruços.
Este Governo Bolchevista que tentava dominar a Letônia obedecia ao seu programa que era a sua Lei e cuja única sentença era “a morte”. Eles promulgavam os seus decretos publicados no diário “A Luta” cujos exemplares colavam nas paredes das esquinas, mas era impossível apelar por um direito com base neles por que as ordens se contradiziam.
Foi publicado um Decreto mandando confiscar as roupas dos civis por que as Forças Armadas não tinham uniformes. Cada cidadão somente poderia possuir um par de calçados e duas mudas e o excedente devia ser entregue ao Governo. Decretos iguais eram publicados determinando o confisco de alimentos. As melhores edificações eram requisitadas para o uso do comissariado comunista.
O papel moeda não tinha qualquer lastro ou garantia e era impresso em tiras de papel onde em lugar bem visível o Comissário Bergs mandou escrever: “Quem recusar esta nota bancária será punido com pena de morte”.
As fazendas e as grandes propriedades rurais passaram a ser administradas pelos empregados, que, diariamente, organizavam bailes nos salões daquelas mansões. Enquanto se divertiam deixaram de alimentar e cuidar do gado que por fim eram abatidos e consumidos como carne e em pouco tempo todos estavam à míngua. Por fim confiscaram todas as terras daqueles proprietários.
Conversando entre si diziam uns: “Que importa isto não foi amealhado por nós”; outros diziam: “isto pertence aos fazendeiros” e outros: “Isto tudo pertence ao povo”; mais numa coisa todos eles estavam de acordo quando gritavam: “Morte para os burgueses”; no entanto não havia uma regra que definisse o que era um burguês. Não se sabia onde terminava o proletariado e onde começava a outra classe; a definição do proletário esta sim era: “aquele que somente possuía as duas mãos para trabalhar”. Eles apanhavam os cidadãos mais bem trajados e usavam-nos como animais de tração na ausência de cavalos, para transportar esterco aos campos cultiváveis, conta-se que um proletário sentara na bolea da carroça a qual estavam atrelados os burgueses, como se fosse cocheiro, levando até um chicote.
ONZE DE NOVEMBRO
Esta é uma data gloriosa, por que este é o dia no qual começou a circular o sangue do povo Letão independente. É o dia que foi inscrito com letras de ouro na história mundial trouxe felicidade para todos os corações, que nasceu numa alvorada rubra, iluminada pelo sangue dos heróis. Assim foi dia 11 de novembro de 1918, que hoje comemoramos.
AS ORAÇÕES VESPERTINAS
Na semana passadas nós fomos convidados, em pleno culto, para uma “hora de orações” que seriam convocadas todas as segundas feiras. Foram convidados somente aqueles que não estivessem em paz com a sua consciência. Na segunda feira passada apenas a metade da lotação foi conseguida; mas nesta semana a sala de reuniões estava cheia. João Inke abriu a nossa “hora de oração” com um exemplo, dizendo que os Éfesos foram crentes, mas Paulo desejava que “eles tivessem os olhos iluminados pelo Espírito”.
O PERÍODO DOS BOLCHEVISQUES
Todos os dias eu saia de casa, mas não sabia se iria voltar. Na escola onde eu lecionava, não se estudava mais. Tornou-se um local para brincadeiras.
O programa de ensino estabelecido era: I Rússia; II Letônia; III o Congresso Comunista. No lugar das aulas de ensino do idioma Leto, foi instituído um espetáculo teatral.
O professor de álgebra era um homem de atitude e opinião, e por esta razão ficou sendo odiado e acabou sendo demitido. Eu fui contra esta medida, mas contra mim assumiram a mesma atitude de me demitir também. Eu fiz a minha defesa e na próxima reunião resolveram chamar de volta.
Presenciei também um desfile humilhante e desesperador. Estavam tocando a pé como se fossem animais cerca de 40 pessoas e entre elas cerca de 30 senhoras de alta classe. Foram acusadas de pertenceram à classe burguesa e por este motivo elas foram expulsas de suas mansões que foram confiscadas.
Foi erguido um monumento em praça pública, para o Karl Marx, mas a penúria era tanta que precisaram costurar as bandeiras usando trapos vermelhos. Usavam também as bandeiras da Rússia arrancando as partes azuis e brancas.
O Simão Berg passeava pelas ruas de Riga com um automóvel, mas andava armado com uma pistola, um revolver e um facão.
Em nome daquelas leis que promulgavam, foi preso novamente o J. A. Frey, junto com mais 12 correligionários.
NOVAMENTE 18 DE NOVEMBRO DE 1921
Com muito orgulho eu te saúdo minha querida Letônia, a Pátria onde nasci.
Eu te saúdo como um País livre e soberano. Em ti eu penso como a minha terra, onde viveram os meus antepassados, já há muitas e muitas gerações esta data gloriosa em que sacudistes as algemas das tuas mãos.
Gostaria estar na Letônia neste momento, os ouvir falando jubilosos a respeito da liberdade. Sinto um amor profundo pelo meu povo, que aqueceu o meu coração desde a tenra infância.
Não sei o por que da existência deste amor. Quem acendeu este fogo no meu peito. Senti as saudades e agora me alegro pela comemoração deste dia de liberdade.
Deus abençoe a Letônia. Dievs Sveti Latviju.
NOTÍCIAS DE MÃE LUZIA
A esposa do meu tio João Andermann, em cada carta que me escreve, mostra um insistente desejo de sair de Mãe Luzia.
Agora eles receberam uma proposta de 8.000$000 (oito contos de reis) pela propriedade agrícola e o João (irmão dela) e eu nos alegramos muito por causa disto. Em breve eles chegarão em Nova Odessa.
O João Kaulin e Lily Stekert casaram-se.
O TEMPO DE BOLCHEVIQUES NA LETONIA (J. INKE)
As ruas de Riga iam se tornando cada vez mais sujas, porque os garis não tinham mais tempo para trabalhar, pois passavam o dia em atividade política. O mesmo acontecia com as estações e os vagões da estrada de ferro que estavam ficando imundas.
As grandes lojas de roupas e moda ficaram vazias de mercadoria e compradores. Os armazéns onde antes se podia comprar de tudo agora não tinham mais nada. Não se encontrava farinha e outros comestíveis em lugar algum. As escondidas alguns comerciantes vendiam alimentos, mas por um preço exorbitante. Comia-se até casca de batata.
A farinha de centeio misturada com serragem de madeira era vendida para os cidadãos de primeira classe ou categoria – os comunistas – na quantidade de ½ libra; para os de segunda ¼ de libra e para os terceiros 1/8 de libra. Às vezes este bocadinho era negado; então para sanar a penúria serviam uma canequinha de sopa feita com o cereal.
Muitos eram colocados fora da lei e para estes não havia direito algum, eles não recebiam nada. “Encostar na parede” era um trabalho habitual.
Os dirigentes da partido, comissários, gozavam do direito de andar de automóvel. Um embaixador que fora a Rússia firmar tratado e pedir cooperação, de nome Stuca, na viagem de volta foi conduzido no vagão particular do Tzar, como gesto de boa vontade.
A espionagem, a denúncia e as revistas pessoais ou de domicilio era uma prática geral que se repetia com mais frequência com o correr do tempo eles então reviveram tudo e levavam o que bem queriam.
Não recebiam notícias nem jornais do exterior para saber pó que se passava no mundo. Todas as Igrejas foram nacionalizadas; as maiores usadas como auditório dos “Meetings” políticos e as menores simplesmente para ficarem fechadas.
Os burgueses depois de dilapidados dos bens que possuíam, rasgados e famintos eram obrigados a cavarem trincheiras. Eu próprio, um simples pastor, recebi este castigo, mas pela misericórdia de Deus fui dispensado deste trabalho; que era agilizado a custa de fuzis com baionetas caladas.
Bormanis que foi mobilizado para trabalhar na direção de um hospital num posto de responsabilidade, gozando de um certo prestígio foi a central de polícia para saber do paradeiro de J. A Frey. Ele se apresentou com muita determinação e atitude; rebateu todas aquelas acusações e conseguiu libertá-lo da cadeia na hora, mas o Pastor Planats já havia sido fuzilado.
No único jornal em circulação que era comunista e se chamava “Luta” (Cina) já apareciam notícias que os comunistas estavam fazendo recuo estratégico de suas linhas e estavam abandonando algumas posições na linha de frente onde lutavam contra as forças do Governo provisório.
Apareceram também aviões dos brancos sobrevoando Riga. Em breve verificamos que carroças cheias de mercadorias eram deslocadas para o interior acompanhado de militares vermelhos e quando perguntávamos para onde iam, eles respondiam: “vamos matar os brancos”, mas na verdade estavam fugindo e levando mercadoria confiscada pelos “comissários” que na maioria eram apenas comerciantes inescrupulosos.
No próximo dia verificamos que os líderes bolcheviques haviam fugido para salvarem o seu pêlo sem qualquer pena de deixar as suas conquistas.
Mas convém assinalar que a maioria dos “comissários” não eram Letões e sim membros de outras raças radicadas no país.
Então as colunas dos comunistas eram atacadas até por soldados conduzidas em automóveis e os jovens Letões organizavam patrulhas de ataque de surpresa contra o flanco do inimigo, que se retirava.
ESCOLA
Agora, no mês de novembro, estamos nos preparando para prestar os exames. Relembramos e revisamos todas as matérias estudadas e fiquei muito admirado ao verificar que os meus companheiros de classe não tinham conseguido reter na memória aqueles conhecimentos administrados na escola.
Dava vontade de rir pelas respostas que eles davam ao professor. Se ele, por exemplo, perguntasse ao Rafael: “o que é um golfo”? vinha a resposta: “o golfo é a água que avança no mar”. “Quais são as 5 partes do mundo”? “América, Áustria, Europa, África e Argentina”. O professor repete, fala, mas parece que as crianças não prestam atenção, estão sem interesse e o que é o pior – perderam o respeito ao professor.
A LIDIA CHEGOU DE FÉRIAS
A minha monótona vida foi agradavelmente interrompida. A minha irmã Lídia chegou de férias. Ela veio de surpresa sem eu esperar por ela. Esta na mesma forma, alta, elegante e bonita. Noto uma pequena diferença – ela está muito mais compenetrada, mais amadurecida, mais séria. Parece que ela já consegue entender melhor a vida. Eu a admiro muito por que este conjunto de qualidades abre-lhe uma boa perspectiva para o futuro.
Ela quer continuar os estudos na escola, na qual, durante o último ano e nos exames finais, obtivera boas notas.
Conseguiu tratar os dentes. Deus também deu mais uma benção para a sua vida, sem qualquer solicitação recebe auxílio financeiro de um benfeitor.
Desde pequena ela gosta de pintar e desenhar quadros que é o seu desejo ainda hoje. Em 23 de novembro ela completa 21 anos de idade. Que Deus lhe dê muita paciência e muito êxito.
RECORDAÇÃO DOS MEUS PAIS
Eles casaram em 22 de setembro de 1889. De um pequeno livrinho de recordações intitulado “Não se esqueças” vou transcrever o seguinte que ela própria escreveu:
“Meu nome é EMILIA KANTZBERG. Nasci em dia de chuva em 10 de fevereiro de 1875 no local chamado Skoaka. Desde pequenina eu gostava muita da casinha dos meus pais. Nela havia uma salinha que então, na minha infância, me pareceu tão grande e bonita e se ainda considerarmos o celeiro, o porão e o jardim, então tudo em conjunto parecia ainda muito maior, tão grande que eu sem a companhia da minha mãezinha na tinha coragem de percorrer – “por que quem sabe, eu poderia me perder”- pensei. O tempo ia passando, ano após ano e a minha mãezinha, que muito me amava, me contava, muitas coisas bonitas, e certa ocasião me disse que eu já ia completar 5 anos e estava na hora de aprender o ABC. Eu aceitei esta sugestão com muita alegria pois, já há muito tempo, queria ler aquele volumoso livro de cânticos. O meu pobre pai foi um grande beberrão. Ainda hoje me lembro quanto eu tremia de medo quando ouvia a sua voz enrouquecida falar ao chegar em casa tarde da noite. A minha mãezinha também tinha medo dele a ponto de empalidecer quando ouvia os seus passos e me dizia baixinho “fique quieta por que o teu pai está chegando”. Quase em todos os momentos como um leão enfurecido. Ele agredia qualquer um que tivesse coragem de ficar no seu caminho, mas quando estava sóbrio ele se tornava paciente e amoroso com todos. Freqüentemente eu via a minha mãezinha chorando e em várias ocasiões eu a encontrei de joelhos orando a Deus. Assim desde pequena tomei conhecimento com as preocupações que a vida contém, a dor, como também, a pobreza que freqüentemente batia na nossa porta e assim cheguei aos 8 anos de idade. A minha irmã contraiu matrimônio e eu comecei a freqüentar a escola. Eu, então, tomei conhecimento como isto é terrível ter um pai alcoólatra por que as outras crianças caçoavam de mim e com freqüência ouvia dizer – “o seu pai é um beberrão”. Certa ocasião confessei as minhas mágoas a minha mãezinha na esperança que ela admitisse que o meu pai era um homem mau, mas para a minha admiração ele o defendeu que melhor eu fazia orando a Deus na intenção do meu pai. Este conselho me comoveu profundamente e a partir daquele dia iniciei o meu contato com Deus através da oração, não só em intenção do meu pai, como de mim própria. Naquele tempo teve início o despertar da minha alma e a minha mente fazia várias indagações a respeito de Deus e do céu. Durante horas pensava e repensava a respeito do “juízo final”, acerca do que eu já tinha ouvido falar, e, quando iniciei a leitura do Apocalipse senti tremor sobre o fim dos incrédulos que seriam lançados no fogo eterno. Eu me sentia pecadora e tremia de medo de que, por esta razão, seria jogada lá. Eu aproveitava todas as ocasiões para falar com outras meninas a respeito de Deus e sobre os céus por que me sentia curiosa para saber para onde iria a minha alma depois da morte. Depois dos 10 anos eu não me preocupava mais com a eternidade por que encontrei uma menina que com muita habilidade e malícia me conduziu para o mau caminho. A minha pequena professora me ensinava a dançar, cantar modinhas e pregar mentiras para enganar os meus pais e por isso eu fiquei desobediente e cheia de maldade. A minha mãe muitas vezes me ameaçava, me corrigia e as vezes chorava a meu respeito. Eu encontrava alegria em futilidades, mas quando eu estava na hora do silencio eu sentia que alguma coisa me ameaçava, deixava assustada e na verdade eu não conseguia encontrar a Paz. Já era mocinha adolescente com 14 anos, quando me permitiram, durante alguns meses, morar na casa da minha irmã casada, que naquele tempo habitava em Dinaminde. Naquele lugar nasceu para mim àquela estrela da salvação que foste tu, meu Salvador.
Eu visitei a reunião dos Batistas e então as palavras do sermão caíram no meu coração e entendi, com toda a clareza, que em mim vivia aquele “Adão” e a quem Deus chama “Onde estás”. A partir daquela hora eu encontrei o Senhor Jesus Cristo e ele, desde há oito anos, tem me guiado maravilhosamente”.
Bem próximo da minha partida de Mãe Luzia me lembrei de transcrever para o meu diário esta bela e maravilhosa descrição. Eu conheço a formosura da sua alma e este escrito da um testemunho que eu confirmo cem vezes.
Eu me lembro do seu pensamento inquiridor quando eu estava cheio de dúvidas para me esclarecer, o seu caráter enérgico; mas além disto tudo, a minha mãe era dotada de um coração que poderia servir de exemplo para muitos outros; aquele coração que me amava, cuidava de mim e me criou – este coração que também é o meu.
CONTINUA
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