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Os Letos daqui estão ficando cada vez menos. | De Eduardo Karp para Reynaldo Purim – 1928 -

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Rio Novo, 15 de abril de 1928

Prezado e distinto amigo Reynaldo Purim – Louisville

Muitas sinceras lembranças!

Desculpe-me por me permitir com estas poucas linhas incomodá-lo.

Tendo feito bastantes amizades com os seus aqui, espero que não leve a mal por traçar algumas palavras com você mesmo na distância em algum lugar na outra América.

Se não fosse a chance de conhecer mais intimamente a sua distinta irmã Lucia, assim nunca teria pretexto de escrever nem uma linha, pois não teria o menor motivo para tanto.

Tempos atrás viajei muito e morei em outros lugares fora de casa e agora já há vários anos moro aqui neste lugar e penso quanto for possível aqui permanecer.

Neste momento estou trabalhando com comércio. Abrimos aqui em casa uma pequena venda juntamente com o meu irmão Oscar e pela continuidade podemos vislumbrar um futuro promissor.

Eu realmente gosto de trabalhar na agricultura e cuidar das roças, pois este é o primeiro e melhor fonte para nossa sobrevivência que nos sustenta, mas neste momento esta área ficou para segundo plano e pouco aproveitada, se bem que os espaços e condições são bastante favoráveis.

Os letos daqui estão ficando cada vez menos. Muitos estão indo embora, mas os de outras nacionalidades são muitos e nós de nosso lado temos com eles bom relacionamento.

Quanto às novidades e fatos importantes acontecidos aqui não poderei compartilhar e considerando que deves ter recebido de sua irmã Lucia fartas informações de tudo que acontece por aqui. Também ela não tem falado nada e é só opinião minha.

De toda forma pretendo mantê-lo bem informado que por não curto tempo tenho aprendido a conhecê-la melhor e ela tem se tornado uma pessoa muito querida e o meu sincero desejo, se Deus permitir torná-la minha companheira para toda a vida.

Peço que me escreva algumas linhas contando de suas atividades na outra América.
Ainda não está pensando logo em velejar para o Sul?

Desta vez somente isto

Fico aqui como seu admirador
Eduardo Karp


Filed under: Cartas, de outros Tagged: agricultura, América, amizade, Companheira, Letos, Venda

Villis Butler e família já morando em Curitiba.

Pastor Karlos Stroberg e família em Curitiba em 1933

Foto do Pastor Mikelis Zedgelnieks que trabalhou na Igreja Batista de Rio Novo na década de 1940

Um colono Leto de Rio Novo já em Urubici limpando a terra com o arado.

…mas não obtive autorização para viajar. | de Lucia Purim para Reynaldo Purim – 1928 -

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Rio Novo 18 de abril de 1928
Querido irmão! Saudações!

As tuas cartas escritas em 12 de fevereiro e 7 de março uma na semana passada e a outra na semana anterior. Elas vieram rápidas. Muito obrigado por elas. Agora eu vou ter que matar 2 coelhos com um tiro só. É muita sorte receber duas no mesmo tempo.

Nós agora graças a Deus estamos bastante bem, estamos todos bem de saúde, somente o tempo está por demais chuvosos. Chove quase todo dia e quase não dá para trabalhar nas roças e muita coisa apodrece nas roças. Todo este verão não foi só chuvoso, mas teve tempestades e enchentes que impediam a gente ir à cidade. Os pequenos riachos se transformaram em grandes rios. Neste ano em todo Brasil chove muito e a chuva tem causado muitos prejuízos e desastres com muita infelicidade. Soubemos que em São Francisco a chuva foi tanta que o cemitério da cidade foi destroçado pelas águas das chuvas arrastando corpos sepultados e esqueletos pelas ruas da cidade. E que os morros adjacentes da cidade de Santos estão desmoronando e cobrindo grande parte da cidade causando imensos prejuízos a toda população.

Falando em chuva talvez você queira saber como estão as nossas roças. Na realidade penso que você tem pouco ou nenhum interesse neste assunto. As nossas lavouras estão muito bem. Não temos aquelas grandes roças que tínhamos antigamente, mas estão muito limpos porque nós capinamos 2 ou 3 vezes cada roça e assim as espigas crescem realmente maiores.

Na beira da estrada temos uma lavoura e também um pedaço plantado com cebolas. Na encosta do morro temos feijão plantado e está muito bonito. Pena que chove demais. Depois da mata na divisa com o terreno do Ernesto Grüintall no morro junto à mata está todo plantado com milho. Neste lugar quando você estava aqui não tínhamos culturas e sim pasto.
Na grota funda também derrubamos a mata e plantamos milho e abóboras e as plantas estão muito lindas. Pena que é tão difícil de trazer as abóboras lá de baixo. Depois vamos plantar grama e em outras partes semear o Capim catingueiro.
A semente deste capim chegou um saco de 18 quilos que o Artur conseguiu com um amigo do Ministério da Agricultura em Florianópolis. Agora ele tem recebido mudas de plantas frutíferas, sementes de lá. Nem tudo que ele pede consegue, mas quando ele tem, eles mandam.

Agora vamos conversar sobre os nossos parentes na Letônia. Estes estão realmente pobres e isso é realmente penoso assim o Tio André [André Purens irmão do Jahnis Purim meu avô] escreveu um Cartão Postal. Ele mesmo está sempre doente e o Jahnites tem que ir servir o Exercito. A notícia boa é que a Igreja de Jaunjelgava conseguiu um espaço para ele morar de graça. Recentemente enviamos um cheque de 100$000 (cem mil réis) para o Pastor Frejis em Riga a fim que ele troque e mande adiante sabendo que em Jaunjelgava não tem nenhum banco com correspondente estrangeiro. É o que podemos fazer com parentes que precisam de ajuda em caso de tão grande necessidade e a fome bate a porta. O tio André também pediu o teu endereço e diz que vai escrever.

Dos parentes de São Paulo no momento não tenho notícias deles. A última carta do Tio Jehkabs e da Lilija recebemos antes do Natal as quais nós respondemos, mas depois disso não temos notícias deles. Nestas cartas eles insistiam em convidar para passar as Festas e poder visitá-los e como nós não demos bola para este convite é provável que tenham ficado tristes. Esta semana eu queria escrever para a Lilija e perguntar por que ela não escreve. Eu naquela oportunidade queria viajar, mas não obtive autorização para viajar. Tanto eu como o Artur somos tolhidos e não temos liberdade para sair, como você tinha e têm ainda.

As tuas lembranças para o Pastor Stroberg foram entregues e ele manda muitas amáveis lembranças pra você e também disse que vai escrever.
Lucia


Filed under: Cartas, de Lucia Purim Tagged: agricultura, cartas, clima, Lembranças, Liberdade, Penúria de pós Guerra

Auto apresentação de Reynaldo Purim no Seminário Batista de Louisville – 1927

Família Purim em Rio Novo no ano de 1959


…não tenho escrito de casa porque estava muito aborrecido com você.| De Arthur Purim para Reynaldo Purim – 1928 -

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Florianópolis 01-05-28

Querido irmão! Saudações.

Eu recentemente não tenho escrito de casa porque estava muito aborrecido com você. Bem, mas chegou o tempo de deixar estas coisas e esquecer; porque as circunstâncias assim o exigem. Você deve estar muito surpreso com o título” Florianópolis”, mas tem que ser assim. Agora eu estou aqui no Quartel servindo o Exercito sob regime de Guerra. Cheguei ontem e agora como primeira prioridade estou dando ciência da mudança.

Sexta feira passada me despedi do pessoal de casa e fui para a cidade onde dormi no hotel por conta da nação e no sábado de manhã embarcamos para Laguna onde dormi duas noites. No sábado o Pastor Stroberg também veio pra Laguna dirigir os trabalhos e foi uma boa oportunidade em poder auxiliá-lo principalmente nos cânticos etc.

Na manhã de segunda feira embarquei no vapor “MAX” e às 2 horas já estávamos aqui. A viagem foi mais ou menos boa. O mar estava muito calmo. Mas nem por isso tivemos chance de deixar de pagar o tributo ao deus do mar até o último tostão, porque a lei determina que para cada poder devido, deve ser pago integralmente a sua parte para o mar uma parte e para o Governo deverei ficar aqui um ano inteiro da minha vida.
Aqui na caserna estamos mais ou menos 300 pessoas. Uns vão embora porque já cumpriram o tempo e outros estão chegando. Só ontem chegaram umas 90 pessoas. Ainda não estamos divididos em grupos, mas ainda hoje ou amanhã será tudo normalizado.

Fiquei muito triste em deixar o pessoal de casa porque eu era o mais forte trabalhador e o pai já está com poucas forças e eu era o mais desenvolto, mas fui sorteado e não posso mais ajudar então tenho que deixar na mão de Deus.

Não estou nada preocupado, pois onde mandarem eu vou, o serviço que me determinarem faço e eu estou considerando como sendo a vontade de Deus se bem que antes do sorteio tentamos todas as possibilidades de não sermos incluídos, mas foi em vão.

Aqui no quartel de quanto pude conhecer achei que tudo está em boa ordem e da comida não podemos nos queixar. De manhã cedo todos são chamados e todos vão se lavar e todos recebem uma xícara de café e um pão. Às 10 horas o almoço onde é servido feijão, arroz, carne etc. e depois uma xícara de chá e um biscoito. Às 4 horas da tarde é a hora da janta onde é servido inicialmente um prato de sopa e depois o arroz, feijão etc.. Às 9 horas da noite todos deverão estar todos juntos. Mais pra adiante ainda não sei te dizer.

Segundo eu ouvi ainda lá em Orleans deverei realmente servir o exército em Curitiba ou em Ponta Grossa porque somente uma parte vai ficar aqui e os outros terão que ir em frente.

Aqui hoje é dia de festa, mas que festa que é eu não sei e todos os soldados têm toda liberdade então tocam música na rua e ficam a vontade.
Hoje ainda quero procurar uma Igreja Presbiteriana pode ser que assisto algum culto. Também preciso encontrar o General Rosinha que é batista e possivelmente a gente se torne bom amigo.

Desta vez acho que chega de escrever, pois não sei mais nada daqui e perguntas não irei fazer mesmo porque você não precisa responder esta, pois eu não sei o endereço que realmente eu vou ficar em Curitiba ou aqui mesmo. Quando eles decidirem eu escrevo de novo.

Fico enviando sinceras saudações.
Seu irmão Arthur


Filed under: Cartas, de Artur (Otto) Purim Tagged: Amigo, cartas, Cânticos, Culto, Curitiba, exército, Hotel, Laguna, Mar, Presbiteriana, Quartel, Rosinha, Saudações, Tributo, Vapor

…mas hoje a noite está relampejando e roncando trovoada que faz tremer a casa e as vidraças… | De Lucija Purim para Reynaldo Purim – 1928 -

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9 de maio de 1928

Querido irmãozinho. Saudações!
Mesmo que eu nada de você tenha recebido, assim mesmo alguma coisa tenho que te escrever para contar como nós estamos passando agora. No mês passado mandei pra você uma longa carta com fotografias anexas e espero que já tenham chegado lá.
O tempo aqui está sempre chuvoso e bastante quente e quando por alguns dias brilha o sol então volta à chuva. Na terça feira da semana passada soprou um vento frio muito forte quando trouxe uma chuva muito forte que perdurou ao outro dia inteiro e fez que os rios e riachos subissem tanto o nível que pareciam aquelas enchentes que aconteceram quando você viajou a primeira vez para ir pra a Escola no Rio. Depois daquela vez não tinha acontecido nenhuma vez que os rios estavam tão cheios como foi na semana passada causando tantos prejuízos. Agora houve uns dias claros, mas hoje a noite está relampejando e roncando trovoada que faz tremer toda casa e as vidraças e agora está começando a chover.

Agora a nossa casa parece que está mais escura e mais triste porque o Arthur foi embora no dia 27 de abril para servir o Exército porque ele tinha que ir. Ele faz bastante tempo que tinha sido sorteado para ir, mas nós falamos com o José Superintendente e ele prometeu que iria dar um jeito para ele não ir e tínhamos esperança que ele desse um jeito, mas nada. No dia 23 de agosto o Superintendente viu o Arthur na rua e disse que deveria se apresentar na sexta feira. Ele esperava ganhar um bom dinheiro, mas nós não demos nada antes, se ele tivesse conseguido ai sim nós daríamos dinheiro pra ele, mas agora não damos nada pra ele.

Sentimos muito a separação, mas fazer o que se é preciso ir tem que ir, se bem que em casa a falta dele é muito grande. Não tem quem dirija os bois, não têm quem ajude colher as roças, agora eu tenho muito mais serviço e mais pesado porque o Papai não pode fazer muito, pois ele não é mais tão forte como era antes. Mas o que fazer, teremos que aguentar mesmo que seja mais difícil.

Para onde o Arthur viajou eu ainda não sei. Daqui de Orleans ele foi para Florianópolis, mas para frente eu não sei. Aqui eles falaram que ele iria para Curitiba ou para Ponta Grossa, mas não temos mais notícias dele.
Agora está na hora de você voltar para casa para nos ajudar porque você ficou muito tempo fora.
Desta vez chega, noutra vez escrevo mais.
Lembranças do Papai, da Mamma e minhas.
Lucija


Filed under: Cartas Tagged: Casa, clima, exército, Florianópolis, Lavouras

A Mão de Deus na nossa História. | por João Reinaldo Purin

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ALGUMAS DAS
MINHAS RECORDAÇÕES DE RIO NOVO

Pr. João Reinaldo Purin
Mensagem lida perante o 64º Congresso da Associação Batista Leta do Brasil realizada nos dias 30 de junho a 02 de julho de 2013 em Criciúma, Santa Catarina.
Versão revista e ampliada.

Tema do Congresso:
A MÃO DE DEUS NA NOSSA HISTÓRIA

Texto: Salmo 78.3 e 4
“O que temos ouvido e aprendido, e nossos pais nos têm contado. Não os encobriremos aos seus filhos, contaremos às gerações vindouras sobre os louvores do SENHOR, seu poder e as maravilhas que tem feito.”

Foi-me dada a incumbência de apresentar o meu testemunho e contar algumas experiências, por ter as minhas origens em Rio Novo, a primeira colônia no Brasil dos letos que imigraram da Europa no ano de 1890. Assim “contaremos às gerações vindouras sobre os louvores do Senhor, seu poder e as maravilhas que tem feito.” Vamos constatar como a mão de Deus atuou na história do seu povo, especialmente dos letos que ele trouxe para o Brasil no final do século 19.

Nota de Reconhecimento – Antes de começar a minha tarefa, é com satisfação que presto um reconhecimento público ao meu irmão Viganth Arvido, pois que por muitos anos vem resgatando a história da Colônia Leta de Rio Novo. Não se cansa de colecionar fotografias, traduzir cartas da época, os livros de atas da Igreja Batista leta de Rio Novo, livros de registros da Igreja onde aparecem os casamentos, nascimentos e mortes da nossa colônia. Com seus próprios recursos tem percorrido longas distâncias, visitado famílias de Orleans, Urubici e outros lugares solicitando fotografias, e escaneando-as para o seu acervo e depois devolvendo-as aos seu respectivos donos.
Tem mantido um blog na internet com inúmeros leitores, onde são publicadas fotos antigas, cartas do meu pai ainda solteiro e também das minhas tias Olga e Lúcia, cartas escritas para o seu irmão Reynaldo quando estudava no Rio de Janeiro e depois nos Estados Unidos.
Um outro destaque neste congresso são estas fotos, em slides que estão rodando no amplo saguão deste teatro onde todos podem ver fotos de sua infância, de seus pais, avós e de outros conhecidos daquela época. Para estes slides teve também a colaboração de nosso irmão Carlos Ademar.

Nascimento – Nasci em Rio Novo, no ano 1935, na Família Purim. Papai Otto Roberto e mamãe Vergínia Fernandes. Meu pai veio buscá-la aqui próximo de Criciúma, em Rio Mãe Luzia, para onde vieram várias famílias de Rio Novo. Foi na casa de Zigsmundo e Janina Andermann, que a encontrou trabalhando e se encantou por ela. Foram à cavalo até Rio Novo. Assim foi que ela, filha de família brasileira, ingressou definitivamente numa família e também na colônia leta. Ali ela aprendeu a língua e os costumes dos letos. Sou o terceiro filho dentre sete irmãos que éramos.

O Templo da Igreja – Na verdade esta maquete que está exposta aqui na frente foi construída por meu irmão Viganth Arvido para o nosso centenário e depois foi reformada pelo irmão Vildemar Slengmann já era o 3º templo, uma vez que o primeiro tinha sido construído em outro lugar com folhas de palmeira guaricana e o segundo de lascas de madeira que aparece em algumas fotos (foto 1228). Portanto, o templo que me refiro é o que aparece no folder do congresso (foto 1133 e 1134). A Igreja Batista Leta de Rio Novo tinha uma grande propriedade. Era cortada pela estrada que subia de Orleans com direção ao Rio Carlota e outras regiões. À esquerda, bem no alto ficava o cemitério. À direita desta estrada havia uma grande área de pastagens. O templo ficava a uns 20 metros da margem da mesma Era circundado por uma cerca de ripas de madeira. Fora desta cerca havia diversas laranjeiras bem altas que, na estação própria produziam deliciosos frutos. À frente do templo havia canteiros de flores e um pé de Palmeira butiá. O templo tinha um pórtico, como se pode ver na maquete, que dava entrada para o santuário. O mesmo era mobiliado com duas fileiras de bancos. À direita ficavam os homens e à esquerda as mulheres. À frente da bancada, à direita era o local do coro voltado para o auditório. O púlpito, no outro lado, era uma mesa coberta por uma toalha. Ao centro da mesma havia um suporte para a Bíblia e em cada lado era colocado um vaso de flores. A iluminação era por lindos lampiões a querosene pendurados no teto que era um semicírculo perfeito que dava bastante eco a qualquer som. Havia também uma galeria que, nos primórdios, servia para a orquestra. Não peguei este tempo. É bom dizer que este templo tinha sido construído para ser também a escola da comunidade, pois tinha três boas salas anexas. Em um antigo cartão postal do templo está escrito (foto 1005): Rionowas latweeschu skolas nams, Brasilija, isto é, prédio da escola leta de Rio Novo, no Brasil. Isto quer dizer que nos planos para o futuro estava o construir um templo maior e definitivo, talvez no outro lado da estrada. É bom registrar que este imóvel, nos meus tempos, já oferecia perigo, pois os construtores, não conhecendo a durabilidade da madeira, fizeram dela a estrutura do edifício, isto é, os barrotes e as colunas eram todos de madeira, preenchidos com tijolos e o reboco. Eles não consideraram que a madeira do Brasil, ainda que forte, chegaria ao tempo de apodrecer. Este templo marca o período áureo da colônia leta de Rio Novo. Nos anos 1955 uma firma construiu outro templo menor aproveitando parte do material do antigo. É o que os irmãos que foram agora a Rio Novo viram.

Localização da nossa casa – Éramos vizinhos da parte superior,pois os terrenos eram contíguos. Lá do alto de nossa casa podíamos ver o templo e ouvir o cantar dos hinos. Podíamos ver, na estrada em frente à nossa casa, passarem os irmãos que vinham de longa distância, a pé, com os sapatos na mão, calças arregaçadas e amassando barro em dias de chuva, pelas estradas afora. Quando chegavam ao lado do templo, lavavam os pés numa bica que chamávamos, em leto, de “avotin” que quer dizer fontezinha, e calçavam os sapatos. Só depois disso adentravam ao santuário. Também, depois dos cultos, podíamos ver os irmãos subindo o morro dos Purim, voltando para suas casas.

A Igreja – Conforme os irmãos puderam ver as fotos, nos anos de minha infância a igreja já era bem menor em número, pois muitas famílias já tinham se mudado para Rio Mãe Luzia, Ijuí, Orleans, Urubici, Nova Odessa e para outras localidades. A Igreja Batista Leta de Rio Novo era conhecida pelos vizinhos, quase todos italianos, como “Igreja dos Russos. Ficavam admirados quando se dizia que havia muitas igrejas batistas e evangélicas pelo Brasil afora
.
Desde a mais tenra idade participávamos da igreja. Por morarmos perto, tínhamos a responsabilidade de zelar, abrir e fechar o templo para todas as programações. Os adultos achavam que a Escola Dominical era só para as crianças. A minha primeira professora foi a jovem Alda Balod, que mais tarde casou-se com o meu tio Otávio Fernandes. A classe dos adolescentes e jovens era dirigida por meu pai Otto Roberto Purim. Depois da Escola Dominical seguia-se o culto, quando, então, os adultos, adentravam para o mesmo.

Nossa vida doméstica – A vida na roça era bastante árdua. As nossas atividades domésticas eram, praticamente, para nossa subsistência. Resumia-se em igreja e roça. O dia começava com o alvorecer, tirava-se o leite e dava-se comida para os animais. Depois tomava-se um café bem reforçado. Toda a família se as-sentava ao redor da mesa, papai sentava-se ao meio e antes de participarmos do alimento, papai abria a gaveta e puxava uma Bíblia em leto na ortografia antiga e lia a leitura diária e em seguida orava, também em leto. Só depois é que tomávamos o café. Acabado o café cada um colocava o seu chapéu de palha na cabeça e apanhava a enxada e pés descalços, rumo à roça que ficava a uma boa distância para carpir as ervas daninhas do milharal e de outras plantações. Ao meio dia, mamãe assoprava a buzina que era feita de um chifre de boi. Por este som, nós crianças, ansiávamos muito por esse momento chegar, pois o sol era escaldante. Tendo se alimentado tínhamos a sesta e logo em seguida, roça de novo, até o sol se por. Essa era, em geral a rotina diária. As nossas mãos eram calejadas pelo uso constante da enxada, foice, machado etc.
Foram momentos difíceis, sim, porém, só assim aprendemos dar valor à vida e calcular quanto custa o alimento que temos diante nós à mesa. Também aprendemos a lidar com amor para com os animais domésticos. Aprendemos também a apreciar a natureza nas suas mais diversas manifestações. Em tudo podíamos apreciar poderosa mão de Deus.

Programações de dias Especiais

Natal – Os nossos Natais na igreja eram muito aguardados. O tradicional pinheirinho era trazido do sítio dos meus tios Eduardo e Lúcia Purim Karp, no Rio Carlota, a uns oito quilômetros. Amarrava-se um pau comprido na ponta e um carregava no ombro, na frente e outro atrás. Era enfeitado com velas em suportes que tinham uma mola para fixá-las nos galhos; eram feitas correntes de papel colorido e outros ornamentos de Natal, inclusive a estrela na parte superior. O pinheirinho, com suas velas acesas era algo muito lindo. Em um Natal uma corrente de papel pegou fogo de uma vela, porém o Roberto Cruz, mais que depressa o apagou. Outro detalhe que não me esqueço era o órgão portátil que era trazido da casa dos Zeeberg também a dois. O irmão Gustavo abrilhantava a programação acompanhando os hinos com o órgão de pedal. O programa constava de hinos, poesias e a mensagem trazida por alguém que tinha mais facilidade de falar em público, que era meu pai, quando não havia um pastor presente. No final eram distribuídos pacotinhos de balas e bolachas para as crianças, que ansiosamente aguardavam esse momento. Interessante que para a Festa de Natal o templo ficava superlotado de visitantes que vinham de longe para a festa e para estes também eram distribuídos doces e balas por jovens designadas para esta função.

Jubileu de Ouro – Eu me lembro do Cinquentenário da Igreja comemorado no ano 1942. Tinha meus sete anos. A celebração durou vários dias. O movimento foi muito grande. Estiveram presentes os pastores: Dr. A. Ben Oliver, Patrick Sulyvann, João Emílio Henk, Paulo Gailit, Carlos Ukstim, Carlos Stroberg, Jacob Inkis e Albert Eichmann. Toda a igreja se empenhou com afinco para a melhor recepção possível a todos os visitantes. Foi realmente muito sacrifício face à precariedade das estradas e tantas outras dificuldades. (fotos 1209 e 1030)

Aniversários da Igreja. O aniversário da igreja era comemorado no dia 20 de março. O templo era ornamentado com palmitos jussara que eram trazidos das nossas matas. Na medida do possível, os irmãos de Orleans e de outras partes vinham para participar da festa. Poesias, números especiais e a mensagem faziam parte da programação. No final eram servidos bolos e outros quitutes para todos. Depois eram realizadas brincadeiras no gramado, ao lado do templo. Um triste acontecimento se deu, quando em uma ocasião o caminhão que havia trazido o pessoal de Orleans, ao voltar, devido à chuva, derrapou e caiu num despenhadeiro, ceifando as vidas das irmãs Fany Paegle e Hilda Slegmann.

Batismos – Os batismos, geralmente dos filhos das famílias da igreja, eram realizados em águas represadas do Rio Novo, que atravessava a propriedade da igreja. Era uma cena muito linda.

Piqueniques – Os letos de Rio Novo fizeram questão de comemorar as datas, como se fazia na Letônia, – 06 de janeiro, o Dia dos Magos e 24 de junho, dia de São João. (fotos 815, 839 e 881). Esses dias eram comemorados com o encontro da comunidade em alguma residência. Assim é que me lembro dos piqueniques nas propriedades de João Zeeberg, de Guilherme Balod, de João Leepklaln no Rodeio das Antas, no Roberto Klavin, na Invernada. A programação era livre. Cada família levava o seu farnel. À tarde tínhamos as brincadeiras de roda e outras no gramado.

O Cemitério – Os letos desde os primórdios reservaram um local bem no alto para os que partiam para a eternidade. Lá estão sepultados os nossos ancestrais. Lembro-me quando em 1942 construíram ao redor um muro de tijolos, de mais de um metro de altura. Mais tarde construíram uma cruz de cimento que foi erguida no centro. Esta cruz ainda firme lá está, bem como, o muro em sua quase totalidade. Lembro-me de que periodicamente a comunidade era convocada para limpar, tanto o cemitério como os arredores do templo. Ficaram marcados em minha memória os funerais do jovem talentoso e promissor Júlio Burmeister. Filho único de Adolfo e Ema. Morreu por uma simples pneumonia, por falta de recursos médicos. O sepultamento aconteceu num domingo à tarde. Chovia torrencialmente. No cortejo fúnebre, só se via o grande número de acompanhantes, cada um com o seu guarda-chuva, dirigindo-se para a igreja e depois para o cemitério. Depois chegaram, para o casal triste e saudoso, as filhas do coração, a Enedina e a Iolanda, esta está presente aqui neste Congresso.

Viagens e excursões – Lembro-me das viagens. Na carroceria de um caminhão eram afixadas tábuas sem encosto que serviam de banco. Outros viajavam em pé mesmo. Destaco a excursão a Rio Mãe Luzia. Participaram da programação o pastor Carlos Stroberg e o missionário Adriano Blanckenchip. Lembro-me dos batismos que foram realizados no rio próximo ao templo. Outra excursão foi para a Assembleia da Convenção Batista Catarinense em Urubici, em janeiro de 1954. Também de caminhão. Saímos de Rio Novo, passamos por Orleans, São Ludgero, Braço do Norte, Armazém e depois a serra, Bom Retiro, Quebradentes, Barracão, Panelão e finalmente o destino. Levamos um dia e uma noite. Chegamos em Urubici quando o dia estava clareando. Foi lá, nessa ocasião que me declarei publicamente quanto à minha chamada para o Ministério da Palavra de Deus.

Últimas famílias a se mudarem de Rio Novo – (esta parte não foi lida) Nunca nos esquecemos da noite em que a comunidade leta de Rio Novo se reuniu na residência do irmão Felipe Karkle. À noite, em meio à reunião, inesperadamente, chegou o caminhão para levar a mudança da família. Foi um momento impressionante quando foram colocados os seus pertences no caminhão e todos os familiares se acomodaram como puderam e assim nos deixaram em sua casa e foram embora para Renascença, na região de Pato Branco, PR. Passado algum tempo também a Família Zeeberg se mudou para Urubici em setembro de 1957. Em setembro de 1960 a Família Purim se mudou para Curitiba, ficando na propriedade o meu irmão Alberto Edmundo que havia se casado com a jovem Vilma Leepkaln. Não demorou muito, também eles foram para Curitiba. E assim foram encerradas as atividades de uma longa e abençoadora época da Igreja Batista Leta de Rio Novo.

Contribuição direta e indireta da Colônia Leta de Rio Novo para o Reino de Deus.
É digno de se registrar que os letos que formaram a colônia de Rio Novo e depois começaram a se mudar para outras regiões, continuaram sendo bênçãos nas mãos de Deus.
Um destaque especial é a sua contribuição com pastores, missionários, missionárias e evangelistas oriundos daquela colônia.
Começo destacando o Pastor e Professor Dr. Willys Butler. Ele tinha vindo da Letônia para ser pastor da Igreja e professor na Escola em Rio Novo. Depois estudou nos Estados Unidos, voltou a Rio Novo e depois exerceu o pastorado na Primeira Igreja Batista em Curitiba. Depois dedicou-se por longos anos, até sua aposentadoria como lente de Inglês no Colégio Estadual do Paraná.
Outro destaque são os pastores da Família Leimann. Todos os filhos foram pastores desbravadores dos sertões do Brasil e da Argentina. São eles: Guilherme, Fritz ou Frederico, Arthur e Carlos. Eu tive o privilégio de conhecer pessoalmente o Pr. Carlos Leimann quando eu era seminarista. Em avançada idade, trabalhava no interior do Estado do Espírito Santo, andando a pé e realizando a obra do Senhor. Estava todo enlameado, pois tinha escorregado e levado um tombo no meio da lama.
Outro destaque são os filhos da família Klava, que depois de Rio Novo, foram morar em Rio Mãe Luzia. Dos onze filhos do patriarca Jehkabs (Jacó) e da matriarca Eugênia, destacamos: o primogênito, João Klava que foi pastor em São Paulo. Outro destaque é a filha de Rodolfo Klava, a nossa querida missionária Lívia Rita, já aposentada de Missões Nacionais, continua trabalhando aqui em Santa Catarina. Outro filho dos Klava é o Pr. Eduardo Alexandre Klava que deu sua vida na 1ª Igreja Batista em Cascadura, Rio de Janeiro. Ele tem um filho, o Pr. Davi, que também tem um filho pastor. Ambos atuam em São Paulo. O seguinte filho dos Klava a destacar é Eleonoro que foi ardoroso evangelista que tem, dentre seus filhos, o nosso amado Reinaldo que trabalhou na frente missionária em Ortigueira no Paraná e está sempre pronto para pregar o evangelho “a tempo e fora de tempo.” Do outro filho dos Klava temos o Arvid Artur que não foi pastor, entretanto, tem três filhos na obra. São eles: o Pr. Jacó Miguel e suas irmãs Lídia Sônia, missionária com seu esposo Carlos Alberto Silva atuando há muitos anos no Paraguai e eles têm mais uma irmã, a Lenir que é esposa de pastor no Norte do Paraná. Outro filho pastor é Vigant Alfredo, que trabalhou no litoral do Paraná, Ilha Rasa e adjacências e Rio Bom no Norte do Paraná. Este irmão tem um filho que é pastor, trabalha numa igreja na região metropolitana de Brasília.
Faltam enumerar os pastores dos letos que de Rio Novo foram para Ijuí, uma vez que não tive dados para registrar aqui.
Outro destaque é a figura do meu tio, Dr. Reynaldo Purim. Ainda bem jovem saiu das roças de Rio de Novo para estudar no Rio de Janeiro e de lá para os Estados Unidos, onde estudou durante nove anos, onde alcançou, com brilhantismo, o doutorado, sendo assim o primeiro nascido no Brasil a obter este título. Destaco-o especialmente como teólogo, segundo os seus alunos no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro, era o melhor professor. Deixou centenas de alunos que não esquecem suas aulas. Como pastor que trabalhou muito na promoção do evangelho na região oeste do Rio de Janeiro, como pastor da 1ª Igreja Batista em Bangu, por 43 anos, construiu um majestoso templo e organizou várias igrejas filhas naquela vasta região.
Finalmente, temos os dois últimos pastores que tiveram suas origens em Rio Novo. Destaco o Pastor e Professor Ademar Paegle que deu e continua dando o melhor de sua vida na cidade de Recife como pastor, já por muitos anos, na Igreja Batista em Casa Amarela e professor no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil. Tem também um filho que é pastor. O último a ser destacado é este que vos fala. Com quase 50 de ministério, iniciei o ministério em Arapongas, no Norte do Paraná, indo depois para o Rio de Janeiro, pastoreando por 28 anos a 1ª Igreja Batista em Senador Camará. Finalmente, pastoreei por 11 anos e meio a Igreja Batista em Jardim Atuba, em Pinhais, na Grande Curitiba, onde continuamos servindo como membros. Também tenho um filho pastor, atuando numa numerosa igreja no Rio de Janeiro.
Mas não se restringe à área do Ministério da Palavra a contribuição dos oriundos de Rio Novo. Espalhados pelas várias regiões e igrejas do país. São profissionais liberais, na medicina, na engenharia, no magistério, na música, e em outras áreas das ciências físicas e humanas, e na liderança leiga das igrejas.

Conclusão – Agradecimentos
Prestamos a Deus toda a honra e glória por ter nos escolhido para a nobre missão de transmitir aos brasileiros as boas novas de Jesus Cristo como único Salvador e Senhor. Como resultado do trabalho desses obreiros, milhares, por certo, já tomaram posse do Reino de Deus. Desta maneira podemos ver “a mão de Deus na nossa história.” É isto e muito mais que gostaríamos contar aos nossos descendentes as maravilhas que ele tem feito.
Terminando, em nome dos demais descendentes dos letos que fizeram parte da colônia leta de Rio Novo, agradeço à direção da Associação das Igrejas Batistas Letas do Brasil por trazer à memória fatos relacionados com Rio Novo e sua contribuição para o Reino de Deus aqui na terra.

A Ele toda a honra, glória e louvor. AMÉM.


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Se o pai do sorteado não puder sobreviver é….| Da Arthur Purim para Reynaldo Purim -1928 –

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Florianópolis 10 de maio de 1928
Querido Irmão! Envio saudações e que a Paz de Deus esteja com você.
No dia primeiro deste mês eu mandei uma carta informando que agora eu estava servido ao exército em Florianópolis, mas ainda não sabia se ficaria aqui ou teria que ir para Curitiba ou Ponta Grossa. Agora eu posso afirmar que estou aqui e aqui vou ficar. A minha decisão foi decorrente das informações de diversos Reservistas que lá estiveram no 15º Batalhão quais contaram que a vida lá é pior do que pra cachorros. Aqui no 14º Batalhão também não é essas coisas, mas os superiores me aconselharam entrar para na Artilharia para ser operador de canhões onde a vida é menos corrida, menos instruções, melhor comida, melhor dormitório etc. Eu graças a Deus estou me sentindo muito bem. Esta semana começaram as instruções que se resumem em atividade física como ginástica e técnica de saltos etc.
Aqui perto existe uma Igreja Presbiteriana com um lindo Templo aonde eu vou aos Cultos. São pessoas muito dedicadas e sinceras na vida espiritual.
O Comandante de nossa Bateria é Presbiteriano.
Um Soldado ganha 21$000 (vinte e um mil réis) por mês e eu que me inscrevi como marceneiro posso ganhar um pouco mais, pois eles consideram quem é profissional também não tem necessidade de tanta instrução.
Aqui na Bateria somos umas 30 pessoas e o barulho não é grande.
De casa ainda não recebi nenhuma carta, mas espero que em breve chegue. O tempo aqui está muito quente. Na noite passada caiu uma forte chuva.
Quando ainda estava em Rio Novo foram tentadas todas alternativas para que não fosse necessário vir, não porque eu não quisesse vir e sim para que não deixasse os pais sem um mais forte apoio e provedor. Queríamos riscar o nome na lista dos sorteados onde o meu nome está grafado como Otto Roberto, mas eles informaram que não é possível. Se o pai do sorteado não puder sobreviver é para ele vender uma parte do terreno para ter condições de vida. Quanto ao nome se fosse assim qualquer pessoa chegaria e pediria para riscar o nome com alegação de que é chamado por outro nome só pra voltar para casa. Portanto veja, se é bom ou não é tão bom tenho que aguentar. Mas eu na realidade não reclamo, pois estou convicto que estou aqui pela vontade de Deus. Como é vontade de Deus só espero que ele continue dirigindo a minha vida daí para frente. Como ele me colocou neste lugar aqui eu quero servi-lo.
Desta eu penso que chega de escrever, pois não tenho muito tempo, logo seremos chamados para tomar chá e voltar para as instruções e mesmo não tenho mais o que escrever, pois os acontecimentos cotidianos não vale a pena descrever.
Quando escrever favor o nome aqui estou registrado como Otto.
Fico enviando amáveis saudações.
Teu Irmão Arthur Purim
PS
O meu endereço: Otto Roberto Purim 3ª Bateria I.A.C Florianópolis Santa Catharina Brazil


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…um temporal que igual eu não tinha visto, chover 6 dias sem parar…| De Lucija Purim para Reynaldo Purim

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Rio Novo 21 de agosto de 1928

Querido irmão Reinaldo!!

Há pouco tempo atrás recebi a tua carta escrita em 19 de junho e por ela muito obrigado. E também já foi recebida aquela carta para o Arthur com as fotografias. Muito obrigado também.

O que eu não pensava que nesta boa América ficasse tão velho e tão magro realmente parece um “padre” e se tivesse óculos poderia ser um “doctor”, mas deixa pra lá.

Nós graças a Deus estamos todo bem de saúde e trabalhamos tanto quanto podemos. Teríamos mais o que fazer, mas o tempo está chuvoso demais. Este ano foi um ano de temporais fora da conta. Diversas vezes houve grandes enchentes e agora semanas atrás começou a chover no dia 10 de manha e parou somente no 15. Isso mesmo que foi chuva. Foi um temporal qual eu nunca havia visto na minha vida chover os 6 dias sem parar. O sol não conseguia aparecer e a chuva era bastante fria e este tempo foi muito prejudicial para os animais que não tinham onde de abrigar. Muitos cavalos de propriedade dos italianos morreram congelados e os nossos animais todos tinham abrigo eram alimentados ficaram um tanto enrijecidos imagine aqueles que não tinham nenhum telhado para se abrigar.

Quando o tempo começou a melhorar tudo ficou mais alegre, pois quase nós estávamos começando a acreditar nos profetas de plantão que falavam que este ano a América do Sul iria afundar no mar e também havia profetas que diziam que uma guerra iria começar no dia 28 de maio. E o mês de maio passou e guerra nenhuma começou e assim todas estas previsões são de pessoas que falam e é só Deus que faz.

Este inverno não foi forte, várias vez deu geadas maiores, mas estas não prejudicaram tanto quanto em outros anos. Agora que a primavera está chegando temos que começar a plantar. Agora nos estamos derrubando o capoeirão perto do “Kanels” onde está bastante crescido, pois desde que você foi embora nós não plantamos mais nada ai e por isso ele está infestado de cipoal e espinheiros maricá que torna a derrubada muito difícil, eu estou com as mãos doendo. Fazia tempo que eu não trabalhava em derrubadas e agora tive que voltar. Nós também estamos contratando camaradas para trabalhar, mas está muito difícil conseguir boas pessoas, pois todo mundo está ocupado. A melhor opção seria contratar uma mocinha para ajudar em casa para todo mês, pois uma garota tanto em casa com na roça faz tanto quanto um empregado homem. Alguns anos atrás tínhamos a Maria do Maneco, mas no ano passado ele voltou a morar com a sua família e agora eu falei para ela voltar e ela disse que iria pensar. Ela era muito operosa e sabia fazer todos os serviços. Não bebia nem fumava como outras manecas (manekenes) costumam fazer.

O milho já faz tempo que terminamos de colher. Deu 37 carradas inda porque tínhamos plantado menos que noutros anos, mas este ano as espigas foram realmente maiores e bem regulares. Está até difícil achar as espigas pequenas (restolhos) destinados à alimentação dos animais que até agora no inverno era necessário.

Agora nós não estamos plantando tanto com antigamente, pois agora plantamos somente 5 quartas [4 Quartas dão um alqueire e 2 Alqueires dão 1 saco de 60 quilos] e nós antigamente plantávamos 15 quartas e hoje plantamos menos e colhemos a mesma quantidade e é claro que a capinação e os cuidados são sempre maiores, mas agora realmente as colheitas são bem melhores.
Agora está morando conosco a Lídia Klavim Que está indo à aula aqui na Igreja de Rio Novo, porque eles moram muito longe para ela vir para a aula e por isso eles estão pagando pensão pra ela aqui. Ela gosta muito de conversar e fica falando o dia inteiro. Ela pediu para escrever que o irmão dela o Roberto não escreve pra você porque é muito preguiçoso. Ele só pensa em sair e construir atafonas e engenhos. Ai ele ganha 10 mil réis por dia e mais a comida e lugar para dormir. Mas quando não tem serviço ele fica em casa. Aquela fotografia do Coro que eu mandei ele não aparece porque ele estava fora. A Senhora Klavim esteve muito doente e saia sangue pela boca e muita gente achou que ela iria morrer, agora sarou de tudo e está bem mais gorda [Ser gordo sempre foi sinal de saúde por lá.] Agora ela vai à Igreja e faz visitas pelas vizinhanças. Ela manda muitas lembranças para você.

No próximo primeiro domingo de mês que vem haverá batismos Aqui na Igreja incluindo os filhos da Maria Thomaz do Rio Larangeiras e as noras dela. Também haverá batismos em Laguna onde 8 candidatos estão à espera. O trabalho lá é pequeno, mas está indo pra frente graças também ao trabalho do Pastor Stroberg que periodicamente viaja pra lá e também para Mãe Luzia.

Aqui na Igreja apareceram algumas desavenças e existem pessoas que não podem passar sem elas. Não entendem que a proclamação do Evangelho e a salvação de almas deve ser a missão principal da Igreja. Acham que o Pastor viaja muito.
O Rio Novo está ficando cada dia mais vazio. O povo não quer mais morar aqui. Agora são os Match que estão indo embora para a Argentina, A Milda casou com um senhor argentino muito rico e que tem uma casa muito grande e outras casas e terrenos sem fim. Aqui os velhos sozinhos e cada vez mais velhos seria muito difícil sobreviver. Vão pra Argentina cuidar do Elias o filhinho da Milda e exercer a função de Vovô e de Vovó. Quem garante que quando crescer também não vire um profeta…

Os Matchis venderam a sua propriedade com casa [Na sala desta casa em 1940 eu tive o primeiro encontro com letras e números, pois ali foi a minha primeira sala de aula com a professora a Dª Matilde Tezza, mas isto já é outra história,], moveis tudo de porteira fechada para o Eduardo Karp por 10 contos de réis. Agora ele tem onde ir morar. E é provável que ainda este ano eu também possa ir morar lá. O lugar é muito bonito . Um dos lugares mais lindos por ai. É provável que Deus tenha providenciado este lugar para mim.

Bem por hoje chega, já escrevi esta longa carta. E agora está batendo meia noite. Hoje à noite eu fui ao trabalho da Igreja e ai comecei a escrever. Quem começa tem que terminar. Os demais estão a muito dormindo. Eu também estou com sono. Como faz tempo que não recebemos noticias suas espero receber amanha quando for à cidade. Lembranças do Onofre Regis e família.

Muitas lembranças de Mamãe, Papae e minhas.
Lucija


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…pois ele era corajoso, diligente e dava bom testemunho…| De Lucija Purim para Reynaldo Purim 1928

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Rio Novo 9 de dezembro de 1928

Querido irmão. Saudações

Já longo tempo é passado que de você não temos recebido nada. Esperamos cada semana, mas nada tem chegado. Pensamos que talvez você esteja doente ou que outro motivo teria forçado a não escrever.

A última carta que recebi de você foi àquela escrita em 13 de junho e respondi a mesma no mês de outubro, mas, resposta que é bom até agora não chegou. Chegamos a pensar que alguém daqui tenha apanhado a sua carta no correio e sumido com ela. Tenho bom relacionamento com a agente do correio e ela categoricamente nega esta possibilidade, pois ela saberia que ao entregar uma carta errada ela pediria de volta e a pessoa devolveria.

Nós agora graças ao bom Deus estamos indo bem, todos com saúde e trabalhando o que cada um consegue fazer porque serviço é que não falta mesmo.
Todas as lavouras estão plantadas, quem sabe ainda plantaremos mais alguns litros de sementes de milho e então chega. Ai teremos mais do que 4 quartas plantados [Quatro quartas são iguais a um alqueire ] e em todas as partes as plantas vicejam bem. Em alguns lugares o milho já começa a pendoar (florescer) e por isso tem muita coisa para capinar porque a ervas daninha também crescem rápido. Trabalhamos todos os dias e quase conseguimos vencer. Logo teremos batatas para colher que estão bem crescidas e também batata inglesa, pepinos, cebolas então venha ajudar a comer. Também há laranjas começando a madurar, pêssegos prontos para saborear. As uvas em janeiro também estarão maduras, eu fui ao parreiral e eu nunca tinha visto tantos cachos grandes e tão bonitos. Também na horta tem muito o que colher como morangos, repolhos, nabos, beterrabas e tomates. Bem que você poderia vir ajudar a comer.

O tempo hoje está limpo e quente, mas parece que vai chover mais tarde depois do almoço, meses atrás estava muito seco e até as plantas começaram a sentir, mas agora voltou a chover normal.

O Paps contratou a derrubada dos capoeirões da Bokuvina com uns brasileiros quando na colheita pagarão a terça parte. Isto nós fizemos sem a sua autorização tendo certeza que você não vai levar por mal, pois nós mesmos não iremos lá trabalhar lá, pois temos muitos terrenos aqui bem mais perto que seria muito bom seria se que pudéssemos dar conta de tudo.

A Maria ainda está trabalhando conosco porque outros camaradas [empregados] agora é impossível conseguir então a Maria é muito útil para ajudar em tudo.

Agora nos temos 3 vacas dando leite e duas vão dar logo. Ai sim teremos leite para tomar até não poder mais. O Arturs gosta de tomar leite, mas eu não aprecio.
O Arturs te escreve? Pra mim ele escreve sempre e aqui as cartas vão e vem rápido porque é perto, ele está bem, ele engordou e quem sabe ele vem pra casa fazer uma visita.

Na semana passada tiveram ocasião os festejos do enceramento do ano letivo na Escola da Igreja. Também não haverá mais escola porque já aprenderam tudo e estão sábios e não precisam mais estudar[:A Professora da Escola era a esposa do Pastor]
.
No Domingo passado houve Festa de Batismos sendo 4 de famílias letas e dois brasileiros de Laguna: Francisco da Cruz e sua esposa. Ele é um senhor negro muito distinto e corajoso e é pena que não saiba ler, mas sabe muitas partes da Bíblia de cor … [partes ilegíveis porque a pessoa escreveu em ambos os lados do papel] .

No domingo a noite foi a despedida do Pastor Stroberg. Mas como choveu, assim mesmo havia muitas pessoas na Igreja. Agora os rio-novenses estão sem pastor de novo porque aqui ninguém consegue ficar muito tempo porque aqui todo mundo quer mandar. Em outros lugares o pastor manda na Igreja e aqui surgiram dificuldades…. [Ilegível]
.
Antigamente o Klavim era de boa paz, mas agora que o Augusto viajou e a Lida S. teve estes casos então ele passou ser insuportável nas sessões de negócios da Igreja. Sempre soube que os velhos da Igreja trocavam farpas e davam um mau testemunho nestas reuniões. Quando os problemas são muitos e não se consegue a solução teria muito que escrever, mas não convém. Sempre penso que onde fica a honra e o louvor a Deus destes rio-novenses. Parece que com este comportamento de alguns da Igreja cumprem-se as palavras de Jesus que almas virão do Oriente e do Ocidente e sentarão no meu reino, mas aqueles filhos da luz serão excluídos da sua presença.

A nós e também a alguns outros a vinda do pastor Stroberg não agradou muito, mas agora no final era tão bom que duvidamos os Rio-novenses consigam outro pastor igual, pois ele era corajoso, diligente e dava um bom testemunho e conseguia os resultados e que poderiam ser ainda melhores se houvessem mais pessoas com o ardor em testemunhar do Stroberg.

O Stroberg agora viajou para Kuritiba onde vai ficar com os parentes. Depois não está decidido para onde ele virá se para Mãe Luzia ou para Laguna ou mesmo outro lugar. As visões de trabalho pra ele são imensas com muitas pessoas interessadas na mensagem.

Recentemente trabalhou em Laguna um colportor [Vendedor de Bíblias] que ele ficou muito surpreso pela acolhida receptividade do povo desta cidade que não conhecia o Evangelho para a aceitação das Bíblias que ele vendia. Ele foi embora com as malas vazias e o coração cheio de alegria. Tomara que o Pastor Stroberg volte pra Laguna e assim em pouco tempo poderia formar-se uma boa Igreja.
Agora as lembranças do Skolmeister, da Maria da Silva, do Onofre Regis e esposa. Ainda no domingo passado esteve aqui em casa o velho Onofre e perguntou por você e eu falei que faz tempo que não temos notícias de você. Ai ele falou que uma vez você escreveu que depois de 2 anos voltaria prô Brasil. Então este seria o motivo de você não escrever.

Também lembranças do Stroberg e quanto aos demais quase não perguntam por você porque os assuntos gerais que se conversam são aqueles relacionados com a comunidade local.

Desta vez chega. Já escrevi bastante, quem sabe você nem queira que escreva tanto Então daqui em diante somente vou escrever respondendo as cartas que receber.
Lembranças do Paps, da Mamma e também de sua irmã Lucija.


Filed under: Cartas Tagged: agricultura, clima, Correpondência, Derrubadas de matas Saída do Pastor, Fechamento da Escola, Lembranças de amigos e conhecidos, Trabalhos em outras cidade

Viagens de antigamente. João Reinaldo com destino a Curitiba.


Residência do Sr. Rudolfo Klawa em Urubici

Grupo de pessoas da Igreja Batista de Urubici – 1953

Piquenique da Igreja Batista de Rio Novo na década de 1940

Reunião na Igreja Batista de Urubici na década de 1950

História da juventude de Emílio Anderman em Rio Novo

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Esta História é longa, mas foge um pouco de Rio Novo, mas que poderá ser publicada se houver solicitação para tanto

M E M Ó R I A S D E E M I L I O A N D E R M N N

Escrito por Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman

Na infância parece que o coração pulsava mais forte, era mais sensível. Dentro do corpinho pequeno abrigava labaredas de sentimentos que eram mais insistentes, rápidos e fortes.
Em Rio Novo, Santa Catarina, naqueles breves momentos em que lá vivi, adquiri impressões inesquecíveis sobre a natureza.
No relento, fora do aconchego do lar, ao anoitecer, respirando a atmosfera fresca eu exultava ao observar a natureza que adormecia. As escurecer progressivamente as grandes árvores e arbustos transformavam-se em simples sombras, pareciam mais agressivos.
Surgiam as estrelas, uma depois da outra. A lua nova por de traz da silhueta escura da crista da grande montanha aparecia como uma pequenina foice e tudo isto eu observava estupetafo. Seria esta mesma lua que iria se transforma em sangue com diz a profecia?
As grandes moitas envolvidas numa frígida nebulosa amedrontavam inspirando um respeitoso temor. Eu corria para dentro de casa onde brilhava a luz tênue de uma lâmpada de querosene. Aproximava o meu rosto da vidraça da janela e tentava olhar para fora, mas somente via a escuridão que freava a coragem de aventurar uma nova saída.
Numa noite quando eu dormia sozinho numa caminha fui tolhido por um pesadelo enervante. O local do acontecimento parecia aquele alto da montanha onde nascia o Rio Novo que era rodeada por outras maiores que limitavam a visão do horizonte, que eu habitualmente observava nas manhãs e ao entardecer.
Agora, no sonho, eu lá estava sobre os seus cumes cobertos de florestas, um insignificante ser, vendo surpreso uma tenebrosa convulsão das negras nuvens que rolavam céleres se enleando e distendendo numa louca corrida para ao infinito.

Nesta silenciosa penumbra, repentinamente estourou um mar de chamas se expandiu tomando toda a abóbada celeste e acima deste cataclismo, grandioso, impressionante, desfilava inesgotável o fluxo dos anos. Uma sonoridade constituída de muitas harmonias ecoava pelo infinito – “blam, blem, blam, blem”, que pareciam emitidas pelas trombetas dos arcanjos, cobria toda a orbe terrestre. Outros anjos sem coro cantavam hinos.
Eu dormira como se estivesse morto e quando acordei, os meus pés estavam sem os sapatos. Depois me contaram que na ocasião em que o relógio badalou as horas foi quando os meus calçados caíram dos meus pés.
Eu fiquei tão impressionado e amedrontado com este sonho que na conseguia mais adormecer sozinho e passava a noite temeroso, de que em uma outra ocasião qualquer, o fenômeno poderia se repetir na realidade.

MINHA DESPEDIDA DE RIO NOVO
Então nos estávamos em preparativos para viajar do Rio Novo para Mãe Luzia. Muito pouco me lembro daquela despedida que aconteceu na véspera. A minha irmãzinha Lídia e a Tereza estavam aprendendo a canção:
“Menino moribundo
No colo da mamãe.
Dizendo-lhe adeus
Baixinho, sussurrou
Em breve os anjos brancos
Pro lar me levarão
Oh! Mãe me encontre
Encontre lá no céu”.
Para ser entoada na reunião da despedida, elas me pediram para participar na voz de tenorino e eu cantei com muita garra, mas não tinha certeza se cantava o tenor, contralto ou outra harmonia qualquer; então para não estragar a execução, recusei-me a participar por que sempre fui bom no contra-canto, mas nunca igual na mesma tonalidade. Hoje tenho dúvida se realmente era a despedida.
A minha irmã Zelma (Mely) do meu pai e o tio Rodolfo andávamos tangendo um rebanho de ovelhas viajávamos na primeira leva; em outra ocasião depois desta, fez-se à mudança de toda a família.
De manhã cedinho fui despedir-me da família Klavim. Ali ficaram os meus inesquecíveis companheiros de brincadeiras infantis, mas fui para lá sentindo-me como se fosse um herói. O meu pai havia me presenteado uma harmônica de boca e eu soprava o instrumento com muita força e na minha imaginação o mundo todo estava escutando esta expressão de harmonia, esta solene e poderosa marcha de despedida e foi assim que subi a colina para me aproximar dos meus companheiros para me despedir deles.

Não me lembro dos detalhes desta despedida, mas apenas da grande confiança no futuro, o espírito entusiasmado e um sentimento de segurança que esta mudança me inspirava.
Depois nos iniciamos a viagem e começamos medir o caminho com os nossos passos até que entardeceu e chegou uma noite deslumbrante. Então nos acampamos e dormimos ao relento abrigados por uma encosta de morro, tendo as selas dos cavalos como travesseiros e os pelegos por colchões, cobertas pelas capas de cavaleiros.Além do vale soava uma música de dança que se ouvia de intervalo a intervalo, cujos tons chegavam ao sabor da brisa noturna. Na manhã seguinte acordei cedo por que a lua minguante brilhava nos meus olhos e também de Mely. Observamos a abóbada do céu onde reinava a luz, brilhavam as estrelas e enchiam os nossos coraçõezinhos com centenas de ilusões.
No fim da viagem em Rio Mãe Luzia a numerosa família do meu avô Ans que morava numa grande mansão, recebeu-nos como heróis. Fomos muito bem acolhidos, mas outra vez não me lembro dos detalhes, a não ser o paladar gostoso dos doces feitos com mel e polvilho preparados pela tia Marta, em contraste com a minha falta de compostura; logo depois, quando fiquei louco de raiva por causa de um pé de tangerina cheio de frutos que considerei uma propriedade exclusiva minha e a tia Marta me contrariou na minha intenção.
Sem perda de tempo iniciamos o desbravamento da mata virgem das terras que meu pai havia comprado; já havíamos feito o cercado e plantado o pasto e voltando depois de mais um dia de trabalho nele encontrado o gado trazido do Rio Novo. Isto despertou em nós o pensamento de que “eles já vieram” e então alegres e jubilosos corremos para cumprimentos os nossos pais.

A MINHA ORIGEM

Nasci na Letônia, em Pitraga, no dia 28 de julho de 1902. O meu pai exercia o cargo de Pastor da Igreja Batista local. De lá, quase nada me lembro.
Numa percepção longínqua, como num sonho, ficou guardada a lembrança de alguns acontecimentos:
• Meu pai me levava passear de bicicleta;
• A degola de um galo que esperneava muito;
• Junto com a irmã Lídia andávamos num campo de centeio;
• O majestoso mar Báltico.
No início do ano de 1905, atendendo a um convite, uma designação da Junta Missionária, o meu pai, junto com a família emigrou para o Brasil para ocupar o cargo de Professor da Escola primária Leta na Colônia de Rio Novo, perto de Orleans em Santa Catarina. Ainda me lembro dos marinheiros andando no tombadilho do navio que nos trouxe.
Nosso começo de vida aqui no Brasil foi muito bom. O meu pai dava aulas na escola, em dois turnos, de manhã e a tarde enquanto a família trabalhava na lavoura. Aos domingos e dias festivos ele dirigia o Culto e pregava na Congregação Batista.
Os nossos tios Karklis (a matriarca era meia irmã da minha mãe) nos convidaram para a festa de Natal e para chegar lá a Lídia e eu, cada qual, fomos acomodados em dois cestos [Jacás feitos de taquara Açu ] pendurados nos dois lados do cavalo, enquanto a Mely sentava na sela e esta foi a nossa condução. Fiquei fascinado pela luz das velinhas presas na árvore de Natal que me agradou muito, mas o maior interesse foi despertado pelo paladar das bananas que comi demais e tive uma indigestão.
Nós, os irmãozinhos ainda crianças, muito breve, encontramos companheiros para brincar de outras famílias que moravam perto. Mas a principal, logo depois que se descia colina e atravessava um regato, encontrava-se a casa dos Klavim, onde moravam os nossos principais parceiros lúdicos que eram três: Zelma – a mais velha, o Alexandre e por fim Alida – a mais moça.
Sempre encontrávamo-nos para brincar; às vezes com muito excesso e resultados arriscados.

OS COMPANHEIROS DE BRINCADEIRAS

Nossa atividade social, nossa alegria infantil, nossa felicidade, se realizavam quando nos encontrávamos. Aquele era o nosso mundo de crianças. Brincávamos de várias maneiras, construíamos casas, fazíamos bonecas de várias maneiras que dávamos em matrimônio que também adoeciam, morriam e então realizávamos os seus funerais no ritual Evangélico dos Batistas, cantando, dizendo versículos da Bíblia e orando.
Em outras ocasiões nós brincávamos de casamento. Vivíamos, adoecíamos, morríamos e depois realizávamos os nossos funerais, tentando imitar gente grande. Outras vezes brincávamos de anjos que traziam os bebes. O anjo se escondia atrás da esquina da casa e sorrateiramente vinha trazer a criança, enquanto nós fingíamos dormir. Então o anjo cantava, largava a criança e escapulia e nós acordando, vendo o nascituro jubilávamos de alegria. O anjo sempre era o mais idoso por ser o mais forte e o bebê o mais novinho por ser o mais leve.
Também imitávamos atividades domésticas e o patrão tinha o direito de castigar as crianças. Comerciávamos usando como dinheiro as folhas que colhíamos das árvores.
Numa ocasião as crianças dos Klavim vieram brincar na nossa casa. Terminado o jogo, quando elas retornavam para a sua casa, nós os acompanhamos até o riacho que estava transbordado devido às chuvas na cabeceira, correndo a água por cima da ponte.
Eles vadeavam com a correnteza até o joelho. De repente o Alexandre Klavim pisou em falso e sumiu nas águas. Lídia correu pela margem e o agarrou pela aba do paletó e assim, miraculosamente, conseguiu salvá-lo.
Brincando também cozinhávamos. Numa ocasião, mamãe não estando em casa fizemos o fogo da parede da Igreja que era de madeira e por isto começou a incendiar-se. Um transeunte viu o sinistro e chegou a tempo de apagar o fogo salvando a edificação. Constantemente apanhávamos surras dos nossos pais como castigo por excessos [A família Purim morava logo acima e minha avó Lisete e a família tinham visto diversas vezes as crianças dos Andermann andando pelo telhado do templo da Igreja qual tinha um pé direito bem alto mais o telhado de tabuinhas em um ângulo bastante acentuado, assim se uma criança despenca-se de lá de cima, seria um acidente sério na certa. A saída para o telhado era facilitada por uma janela junto ao final da escadaria da galeria ] praticados e por isto nos castigávamos mutuamente para se acostumar as pancadas.
Quando vesti as primeiras calças compridas conclui que a mamãe não teria mais o direito de me bater.

A MINHA DOENÇA

Papai cada dia ia banhar-se no Rio Novo. Eu o acompanhava, mas certa vez demorei demais dentro da água gelada, apanhei um resfriado e fui atacado de meningite. Minha mãe me cuidou com muita atenção empregando o método terapêutico de Belke, mas mesmo assim fiquei acamado por longo tempo. Depois me contaram que tinham de me acomodar com cuidado na cama por que sentia muitas dores. Graças aos esforços e cuidados da minha mãe eu convalescia e isto me causou muita felicidade e alegria por que, novamente podia correr livremente na natureza.
Certo dia a minha mãe precisou ir a cavalo para Orleans a fim de fazer compras e antes de seguir viagem recomendara ao meu pai que não me permitisse tomar banho no rio durante a sua ausência; mas o meu pai insistiu no banho e me levou junto quando apanhei outro resfriado e tive uma recaída. Outra vez a minha mãe teve de me tratar durante dias e noites, até que finalmente sarei; mas estava tão debilitado que, quando saí da cama, tive que engatinhar por que não tinha forças para caminhar.
Na minha convalescença minha mãe me perguntou o que eu queria comer e eu respondi: “uma sopa cosida e banana frita”. Em breve ganhei forças e fiquei completamente curado e podia novamente correr e brincar pelos montes de Rio Novo.

O MEU ENTENDIMENTO

Não sei por que, desde a tenra idade, o meu entendimento me propôs várias questões para analisar e pensar, mas que não tinha explicação. Também não sei por que a música e as maravilhosas belezas que eu observava na natureza tocavam tão profundamente a minha sensibilidade e tudo isto deixou no meu coração uma ânsia insaciável por uma existência farta e abrangente de realizações.
Repetida vez eu observava as nuvens que rolavam céleres sobre as montanhas, sem destino; e, estas brancas ondas de neblina, impressionavam o meu coração profundamente. Depois aquele céu escuro de onde aconteciam as trovoadas e que acentuavam a luminosidade dos relâmpagos absorviam o meu interesse. Quando o relâmpago riscava o céu com milhares de ramificações cintilantes e o trovão estourava naquele ruído que ecoava pelas montanhas, então eu corria para ao lugar onde eu havia visto a faísca atingir a terra, a procura daquela “bomba” e ver a cratera da explosão. Perdi muitas horas procurando a tal bomba.
Pensava que o arco-íris, em algum lugar, se firmava no solo e em uma ocasião decidi correr para encontrar este lugar.
Também sentia medo. Uma vez eu e os meus irmãozinhos nos banhávamos no riacho a beira da estrada. Pelo caminho vinham dois homens, um deles manuseando uma faca. Eu desconfiei de que eram malfeitores e então numa fugida louca, deixando a roupa para traz corremos para casa até chegar junto do meu pai de quem pedi uma faca para enfrentá-los. Então eles já estavam mais próximos e meu pai disse calmamente: “Eles estão picando fumo”.
Comentei com a minha mãe: “Tu disseste que o mundo é tão grande, no entanto ele termina logo ali adiante” e enquanto eu falava apontava para a linha do horizonte, pois estava convicto de que os limites da terra não iam além do campo da visão.

O GOSTO ARTÍSTICO

A música me empolgava muito. Quando ouvia tocar harmônio ou cantarem hino abandonava as brincadeiras e ouvia absolutamente sossegado. Eu também cantarolava tentando encontrar naquelas sonoridades que emitia, alguma coisa bela e atraente. Nas reuniões da Igreja Batista, quando toda a Congregação cantava, meu coração ficava tocado até as lágrimas, então os outros me observavam sem entender e me perguntavam se eu estava magoado. Meu pai me presenteou com uma gaitinha de boca que eu tocava insistentemente.
Quando a minha avó Ana veio nos visitar em Rio Novo ela me presenteou com uma flautinha de soprar que se tornou o meu brinquedo mais querido. Acabei estragando o instrumento por que queria aumentar o número e a largura dos furos onde colocar os dedos. Fui convidado a cantar no Coro da Igreja, mas depois me esqueceram de chamar e por causa disto fiquei magoado até as lágrimas.

A MINHA ALFABETIZAÇÃO

Já estava crescidinho e assim passei a freqüentar a escola. No recreio eu corria junto com os colegas. Sentia-me muito feliz por que estava me desenvolvendo e queria tornar-me logo um homem adulto e importante.
Quando observei que apenas o meu pai, como professor, iniciava as aulas com uma oração a Deus eu o aconselhei que deixasse os alunos também orarem; observei que a mamãe nos mandava fazer preces, todos os dias, de manhã cedinho aos acordarmos; mas o meu pai não me queria como conselheiro e sim como aluno e nesta condição ele me mandava decorar letras e números.
Depois que eu aprendi a ler e a escrever ele me mandava para a Biblioteca [Já naquela época a Igreja junto com a Escola mantinham uma Biblioteca ] para ler junto com outros companheiros mais adultos. Um dia, de brincadeira começamos a espirrar; apareceu papai e nos ameaçou castigar colocando em pé num canto da sala, mas os meus companheiros desculparam-se de que estavam resfriados, então eu fiquei sozinho por que ele sabia que eu não estava gripado.
Assim na brincadeira eu aprendi a ler. Também tentava fazê-lo em português, mas não entendia palavra, mas com a ajuda do meu pai em breve aprendi a língua tão bem que numa viagem missionária que meu pai realizou a fim de pregar o Evangelho, ele permitiu que eu lesse em voz alta o Novo Testamento em público.

MEU COMPANHEIRO CELINO

Ele era brasileiro autóctone e tendo ficado órfão não tinha onde ficar. Então minha mãe o abrigou em nosso lar como se fosse filho. Mas isto foi um erro por que este menino de 11 anos me arrastou para uma má conduta. Eu acabei submisso a sua vontade e ele me perseguia tanto quanto desejava. Nosso círculo de brincadeiras e amizade foi acrescido dos filhos dos Feldsberg. Então já com mais idade iniciamos reuniões para orar a Deus. Destes momentos o meu novo e mau companheiro brevemente me afastou.
Em vez das brincadeiras antigas agora fazíamos pipas, andávamos a cavalo, tomávamos banho no rio e praticávamos pequenos furtos nos pomares e hortas dos vizinhos. Ele era tão arteiro que breve encontrou o caminho para o sótão e depois para cima do telhado [ A minha avó Lisete Rose Purim confirma esta informação de eles andarem sobre o telhado. Na parte leste do telhado havia uma mansarda que facilitava bastante o acesso ] .
O meu pai nos mandava colher milho na roça. O Celino então aconselhou que procurássemos as espigas sem grão por que eram mais leves de carregar. De fato os cestos ficaram mais leves, mas gastamos tanto tempo e trabalho na procura que teríamos ficado menos cansados se tivéssemos trabalhado direito.

MUDANÇA PARA MÃE LUZIA

O meu pai Carlos Andermann teve muito interesse e começou a ler a literatura dos Pentecostais que o levou a modificar a sua convicção religiosa. Por causa do desvio doutrinário ele foi pressionado para deixar a liderança da Igreja Batista de Rio Novo.
Em Mãe Luzia morava a família dos nossos avós paternos, Ans e Ana Anderman, neste local o meu pai comprou um terreno vizinho, fazendo fronteira com a propriedade do meu avô.
A minha irmã Mely Zelma e eu fomos os primeiros a viajar para juntos dos meus avós. Nós andamos durante dois dias a cavalo por uma estrada muito enlameada.
Nós avançamos heroicamente pela estrada, a viagem transcorreu e nos agradou muito.
Gostamos muito de Mãe Luzia que tinha outro aspecto topográfico por que planície, com montanhas enormes (a Serra do Mar) muito distantes. Os meus avós e os meus tios nos receberam amorosamente e procuravam nos agradar muito. Descobrimos o rio de águas límpidas, mas que tinha muita correnteza que, quando nós tomávamos banho, não nos deixava afastar das margens com medo de sermos arrastados. Esta Mãe Luzia era novidade pra mim, era estranha e prometia muitas descobertas novas. Ela encheu o meu coração e me senti feliz como se fosse um passarinho.
Depois do dia de trabalho e aos domingos o tio Rodolfo tocava num harmônio enorme de fabricação inglesa com técnica de um virtuose, um artista e até executava uma peça chamada “Gloria in Excelsis Deo” de Vivaldi. Estes momentos me agravam tanto que eu pensava: “o céu não será mais acolhedor”. A música me agradava tanto que até esquecia a existência enquanto a escutava.
Passados alguns meses, em 1910, chegou o restante da família, pois como já disse eu e a Mely, fomos os precursores. Agora o meu pai trouxe a mudança. Vieram também os irmãozinhos Teófilo, Celino e as irmãzinhas, assim todos estávamos reunidos, iríamos morar provisoriamente na cada do meu avô. Na mesma viagem, tangido pela estrada, viera também o gado bovino.
Começou o trabalho árduo de desbravar as terras virgens que foram compradas por meu pai pela importância de 600$000 (seiscentos mil reis).

A VIDA EM MÃE LUZIA

Ali a nossa vida na corria com tanta facilidade como a tínhamos imaginado. Tivemos que trabalhar na lavoura desde o amanhecer até o anoitecer, cercar e cuidar do pasto para o rebanho. Os primeiro anos foram muito difíceis para nós.
A moradia em casa estranha também não era fácil. Aconteciam desentendimentos, falta de cordialidade. Diluiu-se também aquela bela esperança religiosa baseada no Pentecostalismo a vida nos levou por um caminho difícil de ser vencido e junto com o corpo cansado sofria o espírito. Papai não tinha resistência física para aguentar o trabalho braçal, além de franzino a sua formação era de intelectual e a minha mãe muito menos todo serviço brutal que fazia ia além de suas forças.
Os trabalhos domésticos eram feitos depois do anoitecer. O pão caseiro de milho era assado durante a noite, como também lavada toda a roupa da família. Nós os filhos também aprendemos a trabalhar com suor nos rostos para arrancar da terra a nossa simples alimentação e conseguir o desenvolvimento físico.
O que mais me perturbava era o Celino que era um menino de sentimentos muito baixos. Ele tinha a habilidade de me desviar par ao caminho do mal. Eu orava muito a Deus e tinha o coraçãozinho bastante iluminado e por isto distinguia o caminho mau, mas ele era como se fosse o próprio satanás que insinuava aquelas idéias e conseguia me influenciar.
As cercas da nossa propriedade eram fracas. O gado do meu avô invadia a nossa lavoura e devorava as plantações cultivadas com tanto esforço. Esta preocupação perturbava muito a minha mãe que diante desta ameaça não conseguia dormir. O fato dos meus avós não conseguirem dominar o seu gado aborreceu a minha mãe a tal ponto que ele resolveu abandonar Mãe Luzia. Numa manhã ela selou o cavalo e partiu para o Rio Novo, deixando o meu coração muito, muito, machucado quando chorei demora e dolorosamente. Lá em Rio Novo ela teve uma inflamação no pé e este acontecimento a conscientizou e, assim depois de algum tempo, ela de surpresa, retornou e diante disto tos nós ficamos muito contentes.

O MEU BATISMO EM 1911

O Pastor João Inkis, vindo da Letônia, visitou as colônias no Brasil. Ele também esteve em Rio Novo e de lá, acompanhado por muitos outros patrícios, a cavalo, também veio para Mãe Luzia. Os sermões dele tinham muita vida, inspiração e força de convicção.
Num domingo de manhã, antes do culto ele falou especialmente para os adolescentes que sentávamos, em fileira,,sobre um banco tosco de madeira. Ele então falou sobre a fé, contou estórias sobre o amor, tomando para ilustrar, exemplos da vida diária e atingidos por estas explicações os nossos corações começaram a derreter. Sentimos remorso da vida que levávamos e o arrependimento dos pecados e fomos profundamente atingidos na nossa alma.
Vários de nós sentiram a alegria da salvação e entre estes estava a minha irmã Lídia e eu. O nosso batismo foi um acontecimento muito bonito; a margem do rio foi roçada e lá se reuniu muita gente. Lembro-me que fiquei temeroso de entrar na água fria; mas depois da imersão, senti uma felicidade tão grande que até então nunca havia sentido antes.
Depois do batismo me esforcei para ser um crente exemplar. Eu orava muito a Deus e comecei a ler sistematicamente o Novo Testamento. O versículo que mais me agradou foi aquele Salmo de Davi: “O SENHOR É O MEU PASTOR E NADA ME FALTARÁ”.
Aqueles eram momentos muito agradáveis em que eu gozava a solidão junto a Deus.

A CASA NOVA

Anteriormente numa colina nas terras de meu pai edificamos uma meia água sob a qual nos abrigávamos das chuvas. Depois construímos uma cabana, onde nós brincávamos e às vezes estudávamos enquanto os nossos pais trabalhavam.
Não me lembro em que ano começamos a pensar na construção da nossa casa nova. A nossa primeira preocupação foi com o telhado e então, sozinho, fui a cavalo para o Rio Novo para convidar o velho Rosa que era um hábil artesão em lascar telhas de madeira. O Jakobson e o professor Germano serravam as tábuas. O meu pai com o machado aparava [Farquejar ou falquejar] a madeira da estrutura, o esqueleto para sustentar as paredes e o teto. Em mutirão vieram mais alguns amigos de Rio Novo junto com o velho Karklis que assumiu o cargo de “mestre de obras”. Então o Levenstein [Löwenstein] se desentendeu com o Karklis e o primeiro largou o trabalho e voltou.
A nova casa nós estávamos edificando num promontório que havia sido desmatado recentemente. Ainda haviam tocos e troncos abatidos. O trabalho progredia acelerado e em breve a estrutura já estava de pé e assim continuou até a colocação da cumeeira. Depois o velho Karklis também foi embora e daí em diante a construção ainda demorou muito para terminar.
Ainda tivemos que construir o celeiro, o estábulo e cavar um poço, mas tudo isto foi conseguido rapidamente. Eu também contribui com todas as minhas forças até o dia feliz, quando finalmente,. Pudemos fazer a nossa mudança. Na nossa imaginação não existia nada mais lindo no mundo do que o nosso novo lar, embora ainda faltasse o assoalho.
Havia mais animação para iniciar uma vida nova, aumentando o pasto, ampliando a extensão das terras plantadas, plantar o laranjal e as nossas forças de adolescentes não correspondiam para vencer todos estes trabalhos, e, assim ainda passaram vários anos até que a nova vida começasse a progredir com certa regularidade.

COM 14 ANOS EM 1916

Neste ano surgiram na minha mente ideias novas e nobres. Daquela época ainda guardo os meus primeiros trabalhos escritos. No meu coração acordou a ambição pelo estudo. Teve início a minha paixão pelo estudo da música e também surgiram em mim sentimentos de patriotismo, pois a Letônia foi o campo de batalha da Guerra de 1914 a 1918. Com muito ardor então me afeiçoei a uma mulher a que chamarei de A e ela me causou muita mágoa. Neste ano a Mely Zelma e eu frequentávamos uma escola em Forquilhinha, mas por causa da grande distância que tínhamos de caminhar, depois de 4 meses de frequência tivemos de abandoná-la. Para lembrança estou guardando um caderno desta época.
Neste ano também encontrei novos amigos; nós aprendíamos a tocar instrumentos e pontualmente tínhamos reuniões de aulas de música. Neste ano também teve início a construção da estrada de rodagem de Criciúma para Mãe Luzia e assim foi facilitada à comunicação com aquela estação férrea. O Silvestre começou a construção de sua venda nas terras do meu avô.

MÚSICA

Lembro-me que já há muito tempo eu desejava estudar música e assim pedi ao meu pai para escrever as notas para mim. Eu iniciei o estudo da escala, mas fiquei admirado como poderiam as pessoas distinguir o valor de cada uma através daqueles pontinhos negros que me pareciam iguais. Não percebi que elas estavam escritas no pentagrama e que a escala subia ou descia de acordo com a sua colocação. Quando iniciei o aprendizado para tocar o harmônio então também aprendi as notas.
Eu também aprendi a tocar violão e violino. O tio Rodolfo construiu um violão para si mesmo e eu não sentia nada mais agradável que tanger as suas cordas. Meu pai comprou um violino e eu iniciei o seu estudo com todo empenho. Tio Rodolfo muitas vezes tocava violino e eu era capaz de acompanha-lo ao violão. Nós frequentemente tocávamos música e estes momentos foram os mais felizes para mim. Foi um passatempo agradável. Nunca pude imaginar qualquer coisa mais bela do que a música e por isto eu adorava ficar na casa do meu avô por que lá se tocava muito o harmônio.

SEGUNDA-FEIRA, 5 DE FEVEREIRO DE 1916

Hoje foi um dia muito quente, não chove há várias semanas. Todos nós levantamos cedo e fomos capinar o canavial. Junto com o meu pai, fomos arar. Era um trabalho difícil por que a terra ainda estava cheia de tocos e raízes, nós arrancamos três tocos. Na hora do almoço toquei violino. Agora é tempo de melancias maduras e nós temos bastante para colher.
7 de FEVEREIRO – Levantamos junto com a alvorada e fomos continuar a arar a terra do meu pai. Logo terminamos e amanhã já poderemos plantar. Depois também chegou Teófilo que trouxe o Julinho. Todos estávamos muito felizes e a minha mãe que trouxe o almoço para comer ali mesmo nos disse que durante toda a existência não iríamos esquecer este momento.

ANO DE 1917

Este ano foi para mim repleto de trabalho estafante.
Nas horas de lazer eu lia muitos livros e me esforcei para escrever. A Geologia me fascinou e eu também com muita volúpia me interessava por outras ciências. Também a música atraiu minha atenção, copiava músicas e tentava criar alguma coisa por mim mesmo, mas toda esta insistência me deixou muito cheio de mim, orgulhoso, quando na realidade eu deveria ter tido vergonha da minha ignorância.


Filed under: Crônicas históricas Tagged: História, mocidade
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